A mídia vem há algumas semanas nos apresentando o caso da “menina de nove anos que foi estuprada pelo padrasto”. Com sua poderosa divulgação e genial articulação chegou ao que queria: reacender a questão sobre o aborto e criticar a “medieval Igreja Católica”.
.A doutrina que direciona a nossa vida cristã católica afirma: “A vida humana deve ser respeitada e protegida de maneira absoluta, a partir do momento da concepção” (CIC 2270), por isso nos adverte: “A cooperação formal para um aborto constitui uma falta grave” (CIC 2272). Essa proposta, mais do que uma lei inquestionável é um meio educativo de sermos convocados à proteção da vida humana de forma integral.
.Lembremos, porém, de outro fato. Quando Deus estava para apresentar a Sua Lei, Ele nos lembra: “Eu sou Javé teu Deus que te tirou da terra do Egito, da casa da escravidão” (Ex 20, 1). A lei não nos foi dada para que ficássemos presos nela, mas para que fôssemos libertos e não irmos de encontro ao Deus da Vida.
.Quem vai de encontro a vida humana não se aproxima do Deus que é Vida, portanto, não entra em comunhão com Ele. A atitude do bispo não foi arbitrária, apenas ele está em conformação à sua missão de defensor do magistério da Igreja, anunciadora da Vida: quem nega a vida não pode estar em comunhão com o Deus Vida.
.Apresentemos esse caso ao supremo Juiz, sumo sacerdote “capaz de se compadecer de nossas fraquezas, pois ele mesmo foi provado em tudo como nós” (Heb 4, 15). Se deixássemos Jesus julgar esse caso, se apresentássemos a Ele os médicos, o padrasto, a mãe e a menina, qual seria a sua resposta?
.Quem de nós sabe o nome da “menina de nove anos”? Quem de nós conhece a história e as condições de vida do padrasto e da mãe daquela criança? A mídia, todavia, é imponente ao dizer o nome do homem que excomungou os envolvidos no aborto: Dom José Cardoso Sobrinho, bispo da Igreja Católica Apostólica Romana.
.
.
Talvez a resposta de Cristo fosse a mesma dada a mulher que também estava a ser excluída pela comunidade: “Mulher, onde estão os outros?” (Jo 8, 10). Onde estávamos nós, Igreja, que é mãe e mestra, quando a menina estava a ser violentada pelo padrasto? Ou quando aquela família estava a se constituir de forma equivocada, livre de uma educação e um testemunho cristão?
.
.
Antes de julgar o bispo, a mãe, o padrasto ou os médicos, façamos o mea culpa, pois somos também responsáveis pelas condições de vida de todos os nossos irmãos, de todos os fatores que levaram a consumação desse crime. Não devemos criar bodes expiatórios para os problemas sociais, devemos ser os primeiros na luta por condições justas de vida, principalmente nós, como cristãos, a quem cabe o testemunho, na defesa da vida em todos os seus aspectos e manifestações, sentindo-se responsáveis por toda a comunidade dos filhos de Deus. Só assim, como o Cristo, que compreendeu as condições em que aquela mulher estava, podemos dizer como Ele: “Nem eu te condeno” (Jo 8, 11).
.
.
[Artigo Publicado no Jornal "A Folha", da Diocese de Caicó, ANO XXI, Nº 149, 21/03/2009]