Os discursos políticos na disputa para o segundo turno ainda giram em torno das mesmas justificativas: o que foi feito pelo candidato, o que a oposição fez de errado, como era a vida passada dos concorrentes...
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A conclusão que poderíamos tirar desse tipo de discussão é uma só: não votar em ninguém. Se formos olhar mesmo para o passado, ninguém seria digno ou capaz de administrar esse país. As propostas políticas continuam passando longe de serem consideradas...
Esse tipo de postura é resultado do fato de que vivemos numa sociedade isoladamente técnica e objetiva. O mérito é dado pelos trabalhos já realizados, em quantidade e qualidade, apegando-se somente ao que vemos e ouvimos. Esquecemos, nesse caminho, que somos homens em construção, seres em crescimento.
O conceito filosófico de dialética estudado pelo pensador alemão Friedrich Hegel (1770-1831) apresenta bem essa dimensão de expansão contínua de determinada realidade. Segundo ele, haveria certa tese, que receberia diante de si, uma antítese, algo que a contrariaria, opondo-se a ela. Nesse desequilíbrio, a tese absorveria o valor de sua contradição, aquilo que ela tem para contribuir à primeira realidade formando, assim, uma síntese, ou seja, uma tese aperfeiçoada.
O homem, nesse caminho, pode ser compreendido como dialético no sentido que ele não é só constituído de passado, mas é também perspectiva de futuro, é um conjunto de esperanças que lança-se para frente. Tudo que vem até ele, de com ou ruim, é possibilidade de expansão.
A oposição evangélica entre o fariseu e o cobrador de impostos demonstra a proposta de Jesus da necessidade de homens que reflitam sobre o seu futuro, que renove suas esperanças, que não ficam se atolando em um passado que não volta mais. Como passado, o que já ocorreu só tem a nos ensinar. Podemos não seguir, aperfeiçoar ou dar continuidade aos atos já realizados, mas não apagá-los de nossa existência.
Diante daquele que vive no “eu... não sou... Eu faço... e dou...” (Lc 18, 11-12), Jesus aprova e justifica o cobrador de impostos que apenas suplica: “Meu Deus, tende piedade de mim, que sou pecador” (Lc 18,13). É evidente que diante dessa súplica há o desejo de crescimento. Aquele homem sabia de suas limitações, mas colocava-as diante de Deus para que ele, que tudo vê e pode, desse a ele um rumo segundo a sua vontade.
Essa realidade apresenta o fato de que Deus é uma realidade de esperança, que olha não somente para o passado, mas para o esforço humano de querer crescer, do desejo de querer acertar demonstrado pela múltipla caça à felicidade, muitas vezes distorcida pelos nossos falhos sentimentos. O passado é, sim, uma dimensão constitutiva do homem, mas não sua única realidade constitutiva. Como reflexo da ação divina, o homem é construído pelo seu passado, afirmando-o no presente, à luz das esperanças contempladas no futuro.
Maria é testemunha do lançar-se humano diante da vontade divina. Suas condições físicas, históricas e sociais poderiam impedi-la de aceitar aquela proposta de geração do divino na humanidade em que vivia, fatos lógica e materialmente impossíveis. Aquele “eis-me aqui” apresenta o necessário abandonar-se humano diante do mistério providencial de Deus.
Que nós também possamos nos tornar também homens dialéticos, homens de futuro, que sabem colocar sua esperança em um amanhã que ele mesmo, à luz da proposta evangélica, pode construir. Esse projetar-se em um fim determinado por nós mesmos não pode ser realizado sem esforço, sacrifício e perseverança na fé.
Entretanto, no fim de tudo, quando aquele futuro tornar-se hoje, podemos não construir aquele fim que planejamos, mas reafirmaremos as palavras do Apóstolo: “Combati o bom combate, terminei a corrida, conservei a fé” (2 Tm 4, 7).