Estamos vivendo na sociedade do acúmulo. O capitalismo e a sua estrutura envolvente distorcem, de forma alarmante, a idéia de que somos seres continuamente insatisfeitos. A essa tese vem inserida a compreensão de que nada do que temos nos dará satisfação, precisamos sempre de mais.
Isso justifica as necessidades do mercado que se organiza em uma economia que deve estar em constante ascensão. Essa exigência de crescimento requer um mercado consumidor que esteja sempre insatisfeito com o que possuem. A isso, soma-se o fato de que os produtos passam a ganhar prazos de validade – sejam perecíveis ou não.
Bens que perdem o valor em pouco mais de um ano diante de outros mais modernos e com mais recursos, a beleza que se transforma sob a perspectiva de interesses individuais, ações que perdem o seu sentido de ser em relação a outras mais atraentes... está formada a ilusão da moda.
Essa postura inconstante diante das coisas e das pessoas revela não somente que somos seres insatisfeitos, mas que somos homens não gratos, mal agradecidos pelo que temos e somos. Queremos um mundo que não temos e esquecemos tudo o que possuímos. Esse querer sempre mais revela que estamos sempre fugindo de nossa realidade, que não sabemos abraçá-la e trabalhar com os fatos que estão diante de nós.
Valores como perseverança, disciplina, simplicidade são totalmente esquecidos diante de um comportamento inconstante de agir que está sempre à procura do que é menos doloroso, mais belo ou mais fácil.
A postura tanto de Naamã (cf. 2 Rs 5, 15), o sírio, quanto do samaritano (Lc 17, 15-16) que voltam para agradecer ao Senhor pela cura recebida é reflexo de homens que souberam viver suas existências momento por momento, degrau por degrau. Eles poderiam pedir ao Senhor mais graças e bênçãos, mas eles souberam aproveitar aquela oportunidade e permanecerem agradecidos diante daquela realidade.
Querer algo que não está ao nosso alcance também reflete a nossa dificuldade em encarar a nossa vida como realidade humana, como conjunto de dificuldades, superações, alegrias e tristezas, dores e prazeres, vitórias e fracassos. Se vivermos em uma constante busca pelo que é menos doloroso, mais fácil e mais belo, estaremos entrando em uma busca contínua, infinita, pelo que nunca conquistaremos de forma plena.
O apóstolo Paulo parece ter compreendido bem a proposta de gratidão ao Senhor pelo que ele recebeu de suas mãos. Quando escreve a segunda carta a Timóteo afirma: “Por ele eu estou sofrendo até as algemas, como se fosse um malfeitor; mas a palavra de Deus não está algemada” (2, 9). O apóstolo sabia que o sofrimento também era a via que o levaria para uma maior configuração a Cristo, que daria sentido a sua vida.
Acrescenta ainda que “se com ele morremos, com ele viveremos. Se com ele ficamos firmes, com ele reinaremos” (1, 11s). Seguir os passos de Jesus é a via para a conquista de um sentido maior para a nossa vida, é a certeza para a construção de uma verdadeira humanidade, que se firma diante do que temos e somos, não do que queremos possuir.
A jovem de Nazaré soube bem o que era o sentimento de gratidão ao Senhor seu Deus. Diante da cruz ela poderia questionar onde estava a promessa de salvação anunciada pelo anjo, indagar se tudo aquilo terminaria com a morte escandalosa de seu filho. Maria soube aceitar, silenciar diante do mistério do sofrimento, próprio e de Jesus. Porém, porque soube esperar, ela contemplou a salvação.
Que nós também possamos construir em nosso ser esse mesmo sentimento de gratidão ao Senhor que sustentou a vida a Naamã e do samaritano, que deu sentido a missão de Paulo e santificou plenamente Maria. Sem acolher a Palavra pronunciada por Deus Pai, continuaremos sempre a buscar uma razão para a nossa vida sempre fora de nossa realidade. Que a verdadeira insatisfação possa surgir em nossa existência: a de buscar constantemente a humanidade que está dentro de nós e espera por ser abraçada plenamente.
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