III
Domingo da Quaresma
3 de março de 2013
“Eu
sou aquele que sou” (Ex 3, 14)
Em nosso percurso quaresmal,
somos chamados a purificar as nossas obras e os nossos pensamentos de tudo
aquilo que desfigura a imagem de Deus presente em nós. Desfiguramo-nos quando
esquecemos que somos imagens e queremos ser deuses.
O contato que Moisés
realiza com Deus nos ajuda a compreender esse mistério dinâmico divino. Eis a
grande advertência: “Não te aproximes daqui. Tira as sandálias dos teus pés, por
que o lugar em que te encontras é uma terra santa” (Ex 3, 5). O homem, enquanto
matéria, nunca será capaz de compreender essa experiência com Deus. A grandeza
plenitude desse mistério o faz sentir-se pó.
Moisés insiste nessa
aproximação, busca uma definição para Deus, um nome com o qual possa ser conceituado.
Eis o grande enigma: “Eu sou aquele que sou” (Ex 3, 14). Deus não pode ser
conceituado nem limitado. Como Deus é ele quem dá limite quem conceitua a
realidade por meio da criação.
O pecado do homem
inicia-se quando ele começa a querer conceituar Deus e todas as suas ações,
buscando dar uma “essência” ao mundo por meio de conceitos e juízos. E é essa a
admoestação de São Paulo aos Coríntios: “Todas essas coisas lhes aconteceram para
o nosso exemplo, foram escritas para a nossa advertência” (1Cor 10, 11). Não
estamos no mundo para julgá-lo, para dar “conceitos” e “limites”, mas para
aprender com ele.
“Quem pensa estar de pé,
cuidado para não cair” (1Cor 10, 12). Todos nós somos feitos do mesmo barro,
sob as mesmas condições podemos agir da mesma forma. É aqui que surge o perigo
e o pecado do julgar o outro. Eu me coloco acima do outro e o julgo segundo as
minhas categorias. Dou-lhe um conceito, uma essência. Defino-me superior.
“Mas se não vos
arrependerdes, perecereis do mesmo modo” (Lc 13, 3.5). A repetida advertência
de Jesus ganha aqui o seu pleno sentido. Estamos todos sujeitos às mesmas
condições, os limites que hoje apontamos amanhã podem ser identificados em nós.
É muito mais fácil julgar
e conceituar ações do que buscar compreende-las. É muito cômodo olhar pela
janela a casa do vizinho e ver o que não está em ordem do que ordenar a nossa
própria.
É aqui que surge a
pergunta de outro: E se fosse eu? Como gostaria que os outros me vissem? Como
queria que os outros me julgassem? Como esperaria que os outros interagissem
comigo?
Só Deus pode julgar os
homens, pode dar um conceito definitivo, uma essência verdadeira à realidade. Por
mais que o homem busque, o seu juízo será sempre limitado, as suas categorias
serão sempre segundo um determinado ponto de vista.
Diante do mistério da
humanidade devemos sentir-se como Moisés, perante uma natureza dinâmica que
vive, mas não se consuma. Devemos sentir a mesma advertência divina: Daqui, não
te aproximes. Não serás capaz de compreendê-la. Ao contrário, se tentares aproximar-se
dela, se queimarás. Tire as sandálias dos pés. Sinta-se pó, limitado perante
esse mistério. Só eu posso dar a essência, só eu Sou aquele que Sou.
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