Nesse mês de julho nós, seridoenses, sentimos renascer em nossa fé o mesmo espírito que animou a espiritualidade de nossos pais, avós e todos os que nos anteciparam. A Festa de Sant’Ana, mais do que um conjunto de comemorações e cultos religiosos, define a marca de um povo que é constituído pela história.
Vivendo em um mundo marcado pela “descartabilidade” das coisas e das pessoas, a história parece ser mais um aparato de nossa cultura. Semelhante a um objeto que pode ser utilizado quando necessário, ela também pode ser esquecida, quando não obedece aos interesses de quem a manipula.
O filósofo alemão Karl Marx (1818-1883) defendeu a compreensão do homem como um ser histórico. Marx não conseguia ver o homem como um conjunto de ideias que, associadas a um complexo biológico, formava um indivíduo. Mais do que isso, o homem era a construção de toda uma história que o antecipava e de uma rede político-social que, com ele, interagia.
As festas religiosas que marcam o calendário cultural do Seridó, não definem apenas que somos, em maior parte, cristãos católicos, mas que temos uma cultura que nos afirmam como seres históricos, políticos e humanos.
Não temos uma fé instrumental, que nos ajuda a conseguir qualidades ou bens, mas que nos ajuda a compreender-se como indivíduos que trazem consigo toda uma marca de historicidade e sociabilidade. Essas características permitem-nos encarar essa cultura do “descartável” com mais veemência e desejo de ir além.
Jesus, ao desenhar para os seus discípulos a possibilidade de construção do Reino dos Céus, esclarece: “todo o mestre da Lei, que se torna discípulo do Reino dos Céus, é como um pai de família que tira do seu tesouro coisas novas e velhas” (Mt 13, 52). Compreender que temos uma riqueza não só nas tecnologias de última geração, mas na tradição que nos antecipa e constitui, é a grande empreitada que devemos realizar nos dias de hoje.
Ao celebrarmos a festa de Sant’Ana, olhemos para a imagem da mãe que cuida de sua filha e a ensina o caminho correto à luz dos ensinamentos divinos. Em uma estrutura social que, quase sempre, exclui o que é antigo, não podemos olhar para imagem do Cristo como algo caído, pronto, do céu.
Mesmo configurado como Palavra de Deus, esse verbo foi sendo modelado durante a história, desde o início dos séculos. Ele não foi criado por Deus em algum momento da história, mas desde o início dos tempos essa vontade divina foi sendo moldada até a sua plenitude.
Essa modelação foi realizada gradativamente, ao longo da história. A imagem de Nossa Senhora que é educada por sua Santa Mãe, Ana, apresenta bem esse processo. A mesma imagem traz como centro a Palavra de Deus que, na plenitude dos tempos, fez-se homem.
Se quisermos compreender a grandeza do Deus Filho, temos que olhar para a educação que ocorre no colo da mãe amorosa que educa os seus filhos à luz da Palavra de Deus. Maria está nesse centro de valorização da família e nesse mesmo processo educacional fundado no conjunto de valores transmitidos pelos pais.
Que nós também saibamos olhar para Jesus, palavra Viva de Deus, como aquele que foi gerado não só por sua Mãe, mas por toda uma história que o antecipa. A imagem de Nossa Senhora e Sant’Ana nos ajuda a compreender bem esse mistério da Palavra de Deus que se edifica no colo de uma mãe que, amorosamente, educa sua filha e a prepara para observar a Palavra de Deus. Essa mãe, na plenitude dos tempos, torna-a viva no meio de nossa história.
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