Todos nós possuímos uma vontade de domínio. Esse “dominar” é positivo quando nos leva a uma organização de nossa própria vida e a uma coerência com os nossos comportamentos. Por outro lado, esse domínio torna-se perigoso quando é convertido em posse. Imaginamos-nos donos de tudo o que nos envolve. Passamos a querer determinar o mundo, as pessoas, as relações, tudo segundo a nossa própria compreensão.
Essa postura é limitada porque distorce a nossa própria condição: somos seres criados. Fomos constituídos por meio de um processo histórico, cultural, simbólico e não contribuímos para a edificação de nossa existência. Somos frutos de um processo gratuito.
Quando “possuímos” algum objeto com defeito, vamos até a alguém que conhece a estrutura desse produto para que o reorganize, ou nós mesmos procuramos conhecê-la para o reparo. Do contrário, a manipulação de algo que não se conhece é como um disparo com arma de fogo dado ao escuro, pode não haver nada, mas também pode ser mortal. Tudo isso deve ser aplicado à vida.
No evangelho, Jesus aponta para o essencial de toda postura humana: “Daí, pois, o que é de César a César, e o que é de Deus a Deus” (Mt 22, 21). Aqueles homens entraram em um mundo que não lhes pertencia, o conhecimento de Deus, e queriam extrair da própria Palavra de Deus um modo de ver e forjar o mundo.
A questão essencial da vida humana sempre ultrapassa as relações materiais, toca em um imperativo de nossa história: não fomos nós quem nos geramos a nós mesmos. Não possuímos essencialmente a existência, antes participamos de sua realidade, já que, a qualquer momento, podemos ser retirados dessa participação.
Jesus, porém, não nos pede um conformismo político ou um relativismo existencial. Ele nos ensina a colocar em ordem a nossa vida, distinguindo todas as nossas ações cotidianas: “Daí o que é de César a César”; e colocando em foco aquilo que é necessário: “Daí o que é de Deus a Deus”. Ou seja, devolver à nossa vida àquele que é a própria Existência.
São Paulo conseguiu bem distinguir essa postura essencial do homem: “O nosso Evangelho vos foi pregado não com palavras, mas com grande eficácia no Espírito Santo e com toda convicção” (1 Tes 1, 5). Ele sabia que, por mais que suas ações fossem fundamentais para a difusão do evangelho, aquela força não provinha de si mesmo, tudo era guiado, tudo era em nome do Pai, por meio do Filho sob a ação do Espírito.
Aprendamos com Maria a viver essa gratuidade da existência humana. Diante do projeto da encarnação do Filho de Deus, ela soube-se fazer serva, criatura daquela mesma Palavra. Com ela, a Palavra se faz Vida e a vida, mais Humana.
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