quinta-feira, 11 de novembro de 2010

A dinâmica da vida

Quando estamos diante dos diversos meios de comunicação e nos deparamos frente a casos de criminalidades assombrosas, corrupções alarmantes, desastres naturais inimagináveis, ações espantosas de pessoas que nunca esperamos, somos logo tentados a associá-los a velha imagem do fim do mundo. Será mesmo que estamos nos aproximamos de um fim ou isso é um sinal que a vida não é tão perfeita como imaginamos?

Deus quando criou o mundo do caos, colocou uma ordem nessa realidade: o mundo deveria evoluir. Sua inteligência não apenas criou, mas dispôs tudo segundo um determinado projeto de perfeição. A própria imagem do Cristo como plenitude da criação nos dá essa compreensão. Tudo tende para Ele, é com Ele e por Ele.

Entretanto, essa evolução da natureza, tendo o homem como centro, ocorre de forma material, portanto, contingente. Ou seja, se estamos diante de realidades materiais e históricas, estaremos conseqüentemente perante seres e realidades falíveis, passíveis de corrupção, possíveis de destruição.

Nesse sentido, não podemos projetar a responsabilidade das desgraças de nossa vida para Deus. Destruir homens ou o próprio mundo, em último caso, seria entrar em contradição com a obra da criação que deveria levar tudo e todos para Cristo, isto é, para a plenitude.

Se eu dirijo em alta velocidade, de forma irresponsável, descumprindo normas ou apenas me descuido em algum momento e me acidento, seria mesmo responsabilidade de Deus tal resultado? Se eu moro em um ambiente passível de desastres naturais, posso colocar a culpa em um terceiro se sofro as conseqüências de um maremoto, terremoto ou coisa semelhante? Se ajo de forma leviana com os outros e sofro as implicações de minha postura, poderia afirmar que Deus me abandonou ou sofro por causa de sua ira?

A física nos ensina que toda ação gera uma reação. É aí que a inteligência de Deus se manifesta, como realidade que circunda a minha vida, não como um juiz que bate o martelo a cada ação isolada. É nesse sentido que a imagem de um fim para o mundo ou para os homens pode aparecer: “Eis que virá o dia, abrasador como fornalha, em que todos os soberbos e ímpios serão como palha; e esse dia vindouro haverá de queimá-los, diz o Senhor dos exércitos, tal que não lhes deixará raiz nem ramo” (Ml 3, 20a).

A “morte” do pecador ou o fenecimento, mais cedo ou mais, de uma ação equivocada reflete que nosso mundo tende para uma perfeição, para uma evolução que vai desembocar na plenitude da humanidade e não na sua destruição. E é o próprio Jesus que nos enche de esperança: “É preciso que essas coisas aconteçam primeiro...” (Lc 21, 9). É preciso que as desgraças, os equívocos, as criminalidades e as conseqüências de todas essas se manifestem para que possamos aprender a dinamicidade e a ordem, querida por Deus, disposta no mundo.

Ações naturais ou provocadas pelos homens geram mortes porque agimos de forma equivocada, a “condenação” foi apenas uma conseqüência lógica, a reação motivada por uma ação limitada. Quando agimos de forma equivocada estamos “gerando” o mal e o primeiro a sofrer com ele é que está mais próximo. Esse fim material do erro também é o sinal de que a providência divina está sempre a retomar a criação em suas mãos quando o homem a corrompe.

Quando o anjo do Senhor anunciou a Maria que ela seria responsável por gerar em sua vida a Palavra de Deus, ela não aceitou de forma utópica ou ideal tal proposta. A jovem de Nazaré sabia as possíveis conseqüências de sua opção, aquele não seria um caminho fácil, era preciso entregar-se, abaixar-se, humilhar-se até aquele “eis-me”. Foi por meio daquele sim sacrifical que a Vida plena entrou no mundo, uma ação de entrega que teve uma reação salvadora, não só individual, mas universal.

Que nós também possamos, paulatinamente, compreender a dinâmica do Reino de Deus que se manifesta a cada momento de nossa história. Ele não é uma realidade projetada por uma vontade frustrada, mas é material, é força que nos abraça e nos acompanha no caminho que nos pede um sim à humanidade que nos circunda, um sim à perfeição que nos atrai para Si.

Um sim à vida

Comemorar o dia de todos os santos é, antes de tudo, lembrar que todos os que abraçaram a proposta anunciada e testemunhada por Cristo são chamados também à santidade. Essa, porém, deve ir muito além de uma vaga compreensão de homens modelos ou seres que se presumem paradigma para toda ação. Santidade é buscar uma perfeição para a nossa vida. Essa plenitude, porém, não se encontra tão distante do que pensamos.

O filósofo alemão Friedrich Nietzsche, em um de seus aforismos desenvolvidos no livro A gaia ciência, apresenta o conceito de eterno retorno. Ele inicia com a imagem de um espírito que chega até nós e afirma que a vida a qual participamos, tudo que já vivemos, de bom ou ruim, se repetirá eternamente. O filósofo pergunta: O que faríamos com esse espírito? Agradeceríamos a ele ou iríamos amaldiçoá-lo para sempre?

Essa ilustração trás como pano de fundo outra problemática: Como estamos lidando com a nossa vida? Estamos aceitando a sua realidade como conjunto de subidas e descidas, vitórias e fracassos, dor e prazer, alegrias e tristezas...? Ou estamos buscando somente o que ela pode nos trazer de bom? Se assim o for, não estaríamos construindo uma vida ideal que, mais cedo ou mais tarde, tenderia para a frustração?

Buscar, portanto, a plenitude da vida é desenvolver um movimento de aceitação de sua realidade contingente, ou seja, dinâmica, que está em constante mudança. Nesse caminho, o sofrimento deixa de ser uma realidade que deveria ser rejeitada, pelo contrário, passa a ser visto como uma realidade que nos molda e aperfeiçoa no nosso caminho rumo à perfeição.

O livro do Apocalipse de São João apresenta a visão daqueles que estão gozando da felicidade plena: “Esses são os que vieram da grande tribulação. Lavaram e alvejaram as suas roupas no sangue do Cordeiro” (Ap 7, 14). Eles conseguiram algo que muitas vezes rejeitamos: abraçar o sofrimento como um fator constitutivo da nossa humanidade. A limpidez de sua aparência se mostrou por que eles estavam transparecendo a sua própria natureza: a humana.

O próprio João, em sua primeira carta, fala desse modo de espera: “Todo o que espera nele [em Cristo] purifica-se a si mesmo, como também ele é puro” (1 Jo 3, 3). Andar nos passos do Cristo, como aquele que soube aceitar a vida na humildade, sacrifício e entrega plena, é abrir as portas para o mistério da ressurreição, da alegria de ser confirmado na nossa opção pela vida.

Jesus é quem, de forma plena, nos apresenta, nas promessas das bem-aventuranças, o verdadeiro caminho para a santidade. Tais bem-aventuranças não são um conformismo vazio diante de uma realidade injusta e desregrada, mas no dá a esperança de que, se perseverarmos na nossa opção primeira pela conformação ao Cristo, receberemos a recompensa prometida por Ele. Quando conseguirmos compreender a necessária aceitação à humanidade que nos é dada, o céu se abrirá realmente para nós e conseguiremos contemplar o Filho do homem, Cordeiro vivo. Aí é que seremos felizes, nesse momento é que seremos santos.

Não há maior exemplo de criatura que soube construir a santidade como aquela que gerou e cuidou do Filho de Deus. Maria soube aceitar a sua condição de serva do Senhor, por isso soube se rebaixar diante seu projeto. Sua santidade foi sendo construída não porque ela fez o projeto da encarnação, por ter humildade, por ser obediente, mas simplesmente pelo fato de que ela soube apenas participar da condição de criatura, se integrar na proposta de uma humanidade prometida por Deus, uma humanidade ansiosa por felicidade, uma humanidade desejosa pela perfeição.

Filhos da promessa

No Brasil, após cada período eleitoral, sempre surge um novo rosto político e, com ele, o reflexo de toda uma estrutura social que está por trás. O último, e mais comentado, foi o do Francisco Everardo Oliveira Silva, o palhaço Tiririca. Ele foi escolhido deputado federal do Estado de São Paulo com cerca de um milhão e trezentos mil votos, sendo o político eleito com mais votos em todo o país.

Mesmo que por baixo dessa imagem esteja o fato de que ele fora inserido em um jogo político, sua escolha refletiu também um olhar da população sobre a atual situação nacional. O fato de que ele fora utilizado como sinal de uma articulação política para eleição de outros candidatos que estavam na sua legenda não esconde a realidade que permeia e antecipa tal joguete.

O cidadão do estado de São Paulo elegeu um palhaço para representá-lo porque estava vendo que os economistas, médicos, empresários e professores não estavam dando conta do recado. Mais do que uma manipulação maquiavélica, a escolha de Tiririca demonstra que o brasileiro não está satisfeito com a situação representativa que vê, está perdendo suas esperanças. Ao elegê-lo, espera-se que ele brinque menos com o povo do que os grandes homens do mundo político.

Ficar em uma eterna luta judiciária pela elegibilidade ou não daquele homem pode ser uma perda de tempo, já que o grito de crítica e denúncia já foi dado. A verdade e sinceridade que estava por trás de seus “argumentos políticos” já podem ser consideradas bons indícios de um caminho representativo.

Essa realidade deve ser compreendida de forma mais abrangente: o povo não está satisfeito com os políticos que têm e quer colocar qualquer outra pessoa que não venha com a mesma postura clássica de dominação. A esperança do povo é colocada nas mãos de um palhaço, analfabeto e sem história política.
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Podemos questionar: Será mesmo que ele pode representar o povo? A resposta do livro da Sabedoria é afirmativa, pois tal situação é reflexo de uma ordem que se nos impõe por meio da inteligência Providencial. Assim, proclama o autor sagrado em relação ao Senhor e para Ele: “Sim, amas tudo o que existe e não desprezas nada do que fizeste; porque se odiasses alguma coisa, não a terias criado” (Sb 11, 24).
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Assim, continua: “O teu espírito incorruptível está em todas as coisas!” (Sb 12, 1). Deus se manifesta nas realidades que menos esperamos e é capaz de mudar a vida de todo aquele que busca a salvação por meio de gestos pequenos ou insignificantes. Todas as coisas caminham naturalmente para Deus. Nós somos quem, muitas vezes, queremos distorcer a realidade e impedir que essa manifestação ocorra.
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Saibamos, portanto, olhar para essa nossa realidade e não ver somente um jogo de corrupções e interesses individuais, de brincadeiras e desmoralização política, mas a possibilidade de se poder sonhar com um novo país onde não só quem tem o poder financeiro é capaz de dominar politicamente. Saibamos ver que aquele “homem é um filho de Abraão” (Lc 19, 9), um filho da promessa, e que, assumindo ou não, ele já deu o seu recado à sociedade: precisamos de homens simples, sinceros e autênticos no poder, que representem, efetivamente, os interesses do povo.
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Maria foi aquela que acreditou na proposta inusitada de geração de um Deus em seu próprio seio. Porém, ela soube ver nesse conflito a possibilidade de salvação da humanidade. Seu silêncio, simplicidade e entrega ao serviço gratuito foram os fatores essenciais de uma caminhada de geração da Palavra salvadora pronunciada por Deus em Cristo no seio da humanidade.