quinta-feira, 16 de junho de 2011

Homens em fuga


Uma recente e curiosa luta deve abrir os nossos olhos para a realidade que nos cerca. O Supremo Tribunal Federal aceitou a livre manifestação pública em defesa da descriminalização e utilização livre da maconha. Muitos homens e mulheres querem ser livres também para utilizarem esse tipo de droga e não serem penalizados por isso.

O que vemos, entretanto, não é uma briga entre a “justiça” ou o “direito” em querer proteger o povo e muitos homens “diabólicos” que querem trazer o mal para a sociedade. Fato é que eles não estão sendo os primeiros a lutarem pela legalização de determinadas drogas. A indústria de cigarro, de bebidas, de moda, das novas tecnologias, todas encabeçadas pela mídia, já iniciaram, há muito tempo, essa luta. Aqueles apenas pegaram um gancho...


O filósofo Karl Marx (1818-1883) pronunciou uma crítica que foi, por muitos, mal interpretada. Afirmou o pensador alemão: “A religião é o suspiro da criatura aflita, o estado de ânimo de um mundo sem coração, porque é o espírito da situação sem espírito. A religião é o ópio do povo”. Essa ideia, que pode assustar a muitos e intimidar alguns, é fruto de uma análise objetiva de um determinado contexto social.



Ao comparar a religião como ópio, ele não criticava entidades religiosas, tampouco suas doutrinas. Ele lançava, entretanto, uma crítica às situações injustas de seu tempo. Diante de situações conflitantes, de dores e sofrimentos, o homem buscava uma “válvula de escape”, uma estrutura que o ajudasse a distanciar-se de todo o contexto que o embaralhava para tentar achar novas explicações.



Hoje, do mesmo modo, o homem continua a procurar novas estruturas de distanciamento. As verdadeiras drogas, legais e ilegais, são reflexos de um homem que continua em fuga. Porém, a multiplicidade dessas drogas demonstra um homem também em múltipla evasão: bebida, cigarro, novela, compras, crack, a atual oxi e a já comentada maconha são esses novos ópios.


O homem corre assustado em um mundo de caos, luta para distanciar-se de todos os injustos sofrimentos e dores. Essa fuga apresenta a simples luta pela afirmação da vida. Aquilo que aparentemente era negativo, torna-se agora explicação das ações de um homem que luta pela vida plena.




Sim, a religião é fuga, é droga, mas que não corrói seus usuários. Todos aqueles que sabem utilizá-la em seu verdadeiro sentido chegarão à uma vida em plenitude.


São João apresentou bem a descrição desse modo de “desconstrução” de uma vida antiga e construção de uma nova existência. Ele apresentou Cristo como Palavra de um Deus que quer a nossa salvação, que quer nos livrar de injustiças e opressões negativas. Para que “não morra todo aquele que nele crer, mas tenha a vida eterna” (Jo 3, 16).


Jesus é apresentado como pronunciamento da vontade de uma Divina Providência que queria ver o nosso bem e lutou para nos retirar de uma situação de condenação. Com isso, “para que o mundo seja salvo por ele” (Jo 3, 17), o Cristo, tornou-se homem e, com seu modo de ser e viver, apresentou aos homens o caminho da Vida Eterna, isto é, da ressurreição humana.


Maria foi uma das pessoas que souberam estar em fuga de um mundo sem sentido e entrar na dinâmica da Palavra de Deus. Aceitando o desejo salvífico de Deus em sua existência, ela atualizou esse verbo. Aquela jovem fez uma escolha entre vários caminhos de fuga. A Palavra de Deus apresentou-se como uma fuga que gerou vida e vida eterna.


Saibamos olhar para o mundo e ver, nas dificuldades humanas, um homem em fuga. Que nós também possamos entrar nessa corrida e fugir, mas não em um subterfúgio desgastante e negativo, mas uma que nos distancia para compreender melhor aquilo que nos cerca. Fugindo para a Palavra de Deus começaremos a compreender o mundo sob a luz desse Verbo. Somente sob a luz desse verbo podemos ver, viver e sentir a nossa realidade com um novo aroma: de vida eterna.

Espírito de comunhão


Em uma cultura de tanta injustiça, corrupções variadas, violências e múltiplos desastres naturais, podemos fazer a justa pergunta: onde está o nosso Deus? Pessoas morrem de fome, enquanto poucos se beneficiam com a opressão desses, milhares morrem com uma desigual corrida pela riqueza. O que fazer diante de tudo isso?


A festa de Pentecostes é a memória de um Deus que se faz presente em nosso meio. Ele morre, mas deixa o seu Espírito para que todos também sigam os seus passos. A humildade, o serviço, a entrega, a morte e a glória da ressurreição são passos necessários para quem quer se conformar ao Espírito do Cristo Jesus.


Diante de vários sopros que o mundo lança: de morte, de injustiça, de violência, Cristo entra nessas realidades e apresenta o seu Espírito. Os discípulos temiam aquelas realidades e, mais do que isso, não sabiam mais o que fazer (cf. Jo 20, 19). Estavam fechados diante daqueles fatos.


Jesus Ressuscitado aparece mais uma vez aos seus amigos e mostra-lhes “a mão e o lado” (Jo 20, 20). Só podemos compreender o mistério da ressurreição quando sentimos essas realidades. A mão e o lado apresentam a realidade da cruz que se mostra como caminho necessário para compreender o Espírito do Deus Palavra.


É nessa mesma dinâmica que podemos compreender o Espírito “soprado” pelo Cristo glorificado: “A paz esteja convosco! Como o Pai me enviou, também eu vos envio” (Jo 20, 21). Fazer a vontade do Pai é o caminho para aqueles que querem assumir a Palavra de Deus.


Porém, esse caminho não é feito de qualquer forma, ele é assumido na dinamicidade do Espírito Santo de Deus. E a imagem compreendida pelo Apóstolo é a do Corpo que, apesar de múltiplo é apenas um. Afirma São Paulo: “[...] todos os membros do corpo, apesar de serem muitos, formam um só corpo” (1 Cor 12, 12).


Se queremos paz em nosso meio devemos construí-la por meio da comunhão apresentada pelo Espírito. Comunhão que se manifesta quando, apesar de nossas diversidades, nos pomos à serviço do outro com nossos dons pois “há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo” (1 Cor 12, 4).


É este mesmo Espírito que nos faz compreender um mundo dinâmico, cheio de diversidades, mas possível de perfeição. Aprendendo com o que é positivo, mas também com o que é negativo, nós nos pomos à caminho e nos conformamos com aquele que soube construir a sua plenitude em um corpo múltiplo, material, biológico e social.


Aprendamos com Maria à conformar o nosso corpo à vontade do Pai. Ela, presente no cenáculo também recebera o Espírito Santo de Deus e, mais uma vez, deu um sim à presença de Jesus ressuscitado. Não houve mistério, Maria, mulher da Palavra soube, mais uma vez, ouvir, sentir, aceitar e atualizar o Verbo de Deus.


Com ela, nós aprendemos a compreender a realidade do Espírito que nos une nas diversidades e aponta para a perfeição que só se constrói olhando para a proposta da Cruz.

Conformes à Palavra


Nesses últimos dias, estamos vendo a movimentação que está sendo realizada em torno da PLC 122, que torna crime qualquer ato discriminatório contra os homossexuais. Mais do que a criminalização de qualquer postura racista, o projeto de lei, corre o risco de dar prosseguimento a um projeto social de formatar o modo de pensar e agir do povo.


O projeto de lei afirma que é passível de punição, com pena de um a três anos de reclusão, quem: “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem, condição de pessoa idosa ou com deficiência, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero” (Art. 20).


Os verbos “praticar” e “induzir” podem ser compreensíveis no que se refere a uma punição dentro de um ato discriminatório, mas sobre o que estariam falando os nossos legisladores sobre “incitar”? Nesse mesmo sentido, qualquer opinião que apenas “incitasse” um ato preconceituoso implicaria punição. Em outras palavras, se o meu modo de compreender o mundo fosse contrário ao regulamentado pela lei sob a vontade de uma minoria, eu poderia ser penalizado sob a explicação de “racismo”.


Desse modo, estamos construindo um caminho tão contraditório que corremos o risco de contrariar os nossos próprios princípios, princípios esses que norteiam o nosso próprio modo de ser e agir como cidadãos. Isso por que o artigo 5º de nossa constituição assegura uma liberdade de expressão religiosa, filosófica, intelectual ou apenas de opinião.



Dizer em quê eu devo acreditar é contradizer os princípios de um estado democrático de direito que dá, a todo homem, uma integral liberdade de expressão. Isso é reflexo de uma cultura social que projeta o mundo à imagem e semelhança de quem o regulamenta ou administra.


Os discípulos, ao contemplarem o Cristo ressuscitado ascendendo ao céu, permaneceram olhando para cima, contemplando aquele fenômeno extraordinário. É preciso que outro fenômeno extraordinário ocorra: “dois homens vestidos de branco” (At 1, 10). Duas pessoas que ainda não tinham sido corrompidas por esse modo de ver o mundo e apontarem para o mistério que o gesto da ascensão apontava.


“Homens da Galileia, por que ficais aqui, parados, olhando para o céu? Esse Jesus que, do meio de vós, foi elevado ao céu, virá assim, do mesmo modo como o vistes partir para o céu” (At 1, 11). Esse mesmo, Jesus voltará para “julgar os vivos e os mortos”. E qual será o paradigma do seu julgamento? Ele mesmo. Como Palavra de Deus, ele traz em si toda a vontade Divina para o homem. Todos os que não vivem conforme à vontade desse Deus feito homem, vão, aos poucos, se distanciando dessa Felicidade Eterna.


Maria é o exemplo da criatura que soube obedecer à proposta de Deus. Ela soube entregar-se à ação salvadora da Palavra de Deus e, com isso, gerou, em sua própria existência essa Palavra. Maria não fez o mundo à sua imagem e semelhança, mas deixou-se fazer nela a vontade do Pai.


Que a Providência Divina nos ajude a nos conformar a essa realidade santificadora de uma Palavra que quer conformar-nos a Si. Essa mesma Palavra, que volta à comunhão com Deus, manifesta-se perfeita e nos ensina o caminho para a Vida. Que Ela também faça surgir em nós esse mesmo Espírito de abertura e entrega a uma santidade que exige de nós abertura e compromisso.