quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Ele nasce

Quais são as notícias que vemos e ouvimos no período de fim de ano? “Preços caem”, “Vendas aumentam”, “Os brasileiros compram mais”, “É tempo de dar e receber presentes”...
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Quem vai a uma festa de aniversário na casa de alguém e não cumprimenta aquele que é festejado? Essa postura, socialmente inesquecível, é muitas vezes deixada de lado quando estamos falando do menino Deus. Sabemos que estamos festejando a grande alegria de seu nascimento, mas esquecemos de fazer uma pequena aproximação com ele.
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E por que não conseguimos fazer tal coisa? Simplesmente pelo fato de que não estamos conseguindo encontrá-lo. Vemos os festejos, as músicas, os presentes e os ornamentos da festa, mas não estamos contemplando o próprio aniversariante.
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Todas essas coisas indicam sua realeza, a grandeza daquele que é a Palavra de Deus feito homem. Porém, é esquecido que ele mesmo não quis essas riquezas. O próprio enviado de Deus nos indica o sinal de sua localidade: “Encontrareis um recém-nascido envolvido em faixas e deitado numa manjedoura” (Lc 2, 12).
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É bonito ver o menino Jesus em grandes Igrejas, magníficos presépios, rodeado de muitas luzes, é belo e fácil. Porém, é difícil compreender que ele nasceu em um lugar simples, muito pobre, deitado em um lugar indigno de seu poderio e nobreza. É mais complicado ainda saber que ele ainda continua nascendo em uma realidade como essa, que a salvação brota onde menos esperamos e a expectativa da humanidade está em realidades simples e em pequenos gestos.
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Isaías, no passado, já aclamava: “nasceu para nós um menino” (Is 9, 5). Sim, ele nasce a cada momento em que é gerado na história dos homens. E nos aponta para a possibilidade de salvação a partir de atitudes simples, humildes e puras.
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Nasce para nós um menino, surge uma nova esperança para o homem que anda na escuridão (cf. Is 9, 1). O menino é a esperança de uma vida nova, é possibilidade de renovação da humanidade que é chamada a acompanhar com os olhos e a vida a luz enviada pelo Pai.
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No entanto, essa luz não nos permite olhar muito tempo para o alto, a procurar uma riqueza nas coisas grandes, ela nos faz descer os olhos, a cabeça e quebra o nosso orgulho ensinando-nos a presença de Deus em locais que não queremos imaginá-lo. E não queremos por que já o criamos sob as nossas categorias, definições e conceitos prévios.
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O espírito do Natal do Senhor nos ensina a fazer um novo caminho, a olhar para a imagem do menino que nascem em Belém e a ter uma nova postura: ele nasceu e está lá. Ele nos ensina a descer dos nossos pedestais e assumir a nossa humanidade, nos ensinando a ser grandes por que olhamos para cima, buscando o que está nos céus, não olhando para baixo, julgando quem está, aparentemente, no chão.
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Que o espírito do menino que nasceu em Belém e nasce em nossa história nos ensine a sua proposta de felicidade, buscando, na simplicidade de nossos gestos, a grandeza da salvação. Nesse período, nos é indicado que ele pode nascer nesse ano que se inicia, trazendo-nos a alegria de uma nova vida, a esperança por novas realidades e o esforço de buscar novamente a construção de nossa humanidade.


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Para que isso ocorra, basta que digamos como Maria: “Sim, eu quero”.
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ABENÇOADO NATAL DO SENHOR,
UM ANO REALMENTE NOVO E SANTO!

É preciso renascer

“Uma virgem conceberá e dará à luz um filho”

Diante de um novo ano que se inicia, que promessas estamos fazendo? As mesmas ou outras? Estamos refazendo aquelas velhas propostas ou já as superamos e buscamos outras que nos fazem crescer? Estamos olhando para o novo ano como ano de possibilidades ou mais um que se inicia?
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Todo reinício nos dá a possibilidade de uma nova postura, de desenvolver um novo olhar, de renovar a si mesmo para viver melhor. Não é a repetição de um mesmo conjunto de ações, mas a abertura ao mistério do novo, ao mistério que a novidade traz em si
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A imagem da encarnação do menino Deus que é gerado no seio de uma virgem nos lança para a compreensão de que nem todos os atos podem corresponder às nossas expectativas. O nosso modo de ver e entender o mundo não pode ser permanentemente o mesmo: é preciso mudar.
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Isaías já prenuncia: “Saibam que Javé lhes dará um sinal: A jovem conceberá e dará à luz um filho, e o chamará pelo nome de Emanuel” (Is 7, 14). Deus é realidade dinâmica e está em constante manifestação. Ele não entra em nossas categorias ou sistematizações, nas nossas imagens de mundo ou tentativas de explicação, mas sempre está nascer onde menos esperamos. Sim, uma virgem conceberá.
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Nesse sentido, não é o homem que gera Deus e o cria à sua imagem e semelhança. Deus gera-se a si mesmo e manifesta aos homens o mistério de sua novidade: todo nascimento é possibilidade de crescimento e, portanto, transformação.
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Mesmo não gerando, o homem é chamado a dar nome a essa nova realidade (cf. Mt 1, 21), e o nome dela é caminho de salvação, Deus está conosco e nos quer juntos de si. Ele quer que o homem se afaste de todos os vícios e de suas conseqüências e busque o bem.
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A figura da criança divina que nasce em nossa humanidade, nos faz ter a esperança em um novo mundo. Deus se faz presente e mostra ao homem que sua humanidade é possível de salvação. Para isso, basta que ele olhe para essa criança com abertura, disposto a acolher a novidade que ela traz consigo.
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Não podemos continuar as nossas antigas práticas de categorização das pessoas e das coisas, ou seja, de pré-definição do que é certo ou errado, bom ou ruim, válido ou inválido, moral ou imoral. É preciso abrir-se à realidade de que todo novo é mistério a ser desvendado, descoberto gradativamente, mas não pré-definido ou pré-conceituado.
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José apresenta para nós a idéia do homem que soube abrir-se a essa novidade trazida por Deus. Como indivíduo de seu tempo, ele poderia justamente condenar Maria por adultério. Mas ele soube ouvir a voz de Deus que demonstrava que aquele fato era a manifestação do seu Espírito que tinha planos de salvação para a humanidade, e tais planos não poderia partir dos homens.
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Maria também soube estar disponível ao mistério da providência divina. Ela só pôde ser via perfeita para a encarnação de Jesus por que “não conhecia homem algum” (Lc 1, 34), por que sabia, em seu íntimo, que nenhum homem poderia fazer tal prodígio.
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Que nós também, a exemplo da família de Nazaré, possamos estar dispostos a renascer para uma nova proposta de salvação que encontra no menino Jesus a sua plenitude. Ao nascer em um local simples e de forma inusitada nos é apresentado um caminho de abertura a toda novidade que vem até nós, que nasce à nossa frente.
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Essa novidade nos ensina a dinamicidade de um Deus que se faz presente e quer que nos abramos ao seu projeto de salvação. Esse se concretiza no mistério do novo que, constantemente, nasce, cresce e ilumina nossa humanidade. Com isso, passamos a olhar, não para o que deixamos de fazer, mas para as nossas esperanças, para o menino que estamos gerando a cada sonho e a cada novo modo de ver o mundo.

É preciso esperar


Quando estamos diante de determinados conflitos políticos, escândalos morais, contradições humanas, somos levados, algumas vezes, a um enfraquecimento de nossa fé. Cansamos-nos de ver tanta banalização da pessoa humana, falta de respeito è integridade do outro, desrespeito à dignidade que é intrínseca a todo indivíduo.
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E no fim de cada ano isso parece se tornar mais latente. Saber que um novo ano está por vir e vamos ter que enfrentar novos conflitos e tristezas individuais ou sociais, algumas até maiores, não deve ser sinal de derrota, mas deve nos colocar numa posição de esperança, que nos impulsiona para frente.
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Sentir-se triste ou indignado diante de tais realidades, entretanto, não quer dizer que somos paradigma de verdade ou seres impassíveis de corrupção. Tudo isso é sinal de que temos em nós uma fagulha do divino que grita a cada instante que algumas posturas são equivocadas e que temos de corrigi-las.
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Somos seres históricos, em constante evolução, fomos transformados do caos para o cosmos, tendemos para a ordem, para a Perfeição. E é diante disso que Isaías nos enche de esperança: “Fortaleçam as mãos cansadas, firmem os joelhos cambaleantes” (Is 35, 3). Ele não propõe uma fórmula para solucionar os nossos problemas. O caminho do homem sempre deve ser o da frente. É caminho de luta.
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Isaías nos ensina a enfrentar os problemas, não retirá-los de nossa frente. E mais do que isso, nos aponta para um futuro redentor, para uma realidade ordenadora do mundo que está sempre disposta recolocar a humanidade em seu caminho rumo à santificação. O profeta nos evoca: “digam aos corações desanimados: ‘Sejam fortes! Não tenham medo! Vejam o Deus de vocês, ele vem para vingar, ele traz um prêmio divino, ele vem para salvar vocês’” (Is 35, 4).
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Essa luta, entretanto, não é instantânea, mas se desenvolve na paciência, na luta cotidiana à exemplo do agricultor (cf. Tg 5, 7) que aguarda a semente que plantou dar frutos. A carta de Tiago nos indica novamente o caminho: “sejam pacientes” (Tg 5, 7). Não podemos dar muitas respostas para o mundo, não podemos sempre apontar o caminho certo ou errado. É preciso esperar.
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Mais cedo ou mais tarde o Filho do homem sempre aparece para julgar todos aqueles que se encontram no erro, para pôr ordem em tudo o que precisa se ajustado. Não podemos nos posicionar em seu lugar, só ele é quem pode definir, organizar, colocar ordem nas coisas. Nesse sentido, nos é dada mais esperança: “[...] o juiz está às portas” (Tg 5, 9).
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O Filho do homem se manifesta exatamente nessa teia de contradições humanas, no pecado do homem, na sua busca por felicidade. Saber que equívocos, escândalos e conflitos são parte da natureza humana é abrir espaço para que o Deus de justiça se manifeste em nossa realidade. É o próprio Jesus que nos diz: “Feliz aquele que não se escandaliza por causa de mim” (Mt 11, 6).
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Nosso Senhor promete o maior bem que o homem pode conquistar: a felicidade, o sentido pleno da vida. Quem sabe ver nas incongruências humanas a possibilidade de crescimento social passa a evitar sofrimentos inúteis e abraçar outros que permitem um contínuo amadurecimento pessoal.
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Saibamos considerar o exemplo de Maria. Ela não se escandalizou perante a proposta de ser mãe do filho de Deus. Diante de uma realidade de negação humana, ela soube gerar no silêncio aquele que foi o salvador da humanidade. Maria não se posicionou como a protagonista do mistério da redenção, mas aprendeu a esperar aquele que foi o paradigma de toda a humanidade.

Ficai atentos

A Diocese de Caicó assumiu em sua última Assembléia de Pastoral a proposta das missões como eixo norteador dos seus trabalhos durante o ano de 2011. Todas as comunidades devem se debruçar sobre esse modo de ser cristão assumindo pela Igreja tanto local como universal.
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Porém, corremos o risco de abraçar essa proposta segundo as nossas compreensões individuais de missionariedade ou evangelização, desconsiderando que a ordem de Jesus aos seus discípulos era um imperativo universal. Todos os que quisessem seguir os seus passos deveriam ser testemunhos e proclamadores de sua mensagem de vida.
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Missão, nesse sentido, não é uma ação de uma parte dos cristãos que têm a coragem de sair de seus espaços individuais ou geográficos e ir à procura do outro que esteja precisando de uma mensagem de vida. Evangelização não é uma técnica ou habilidade que a Igreja encontrou para difundir a Palavra da vida, feita carne em Jesus.
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Quando somos advertidos pelo Senhor quanto à volta do Filho do homem (cf. Mt 24, 44), estamos sendo alarmados de que precisamos viver de forma constante, fiéis à nossa opção inicial. Se optamos por viver segundo a mensagem do Cristo morto e ressuscitado, devemos lembrar que entramos em um modus vivendi, um jeito de ser que nos move a uma postura de vida diferente da que vemos constantemente, à luz de uma Pessoa.
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Podemos estar formando grandes trabalhos pastorais, desenvolvendo inúmeros projetos comunitários, salvando muitas almas de perigos sociais ou morais, mas esquecemos que a qualquer hora podemos, simplesmente, acabar (cf. Mt 24, 39). E o que passa a importar não é o número de pessoas beneficiadas pelas minhas ações, mas como eu as desenvolvi. As posturas que eu estava assumindo ao desempenhar cada atividade, por menor que fosse.
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Nesse caminho, a missão que devemos assumir não é mais um movimento pastoral, mas um modo de agir cristão, fazendo grandes e santas realizações a partir de pequenas obras. É, portanto, um estado permanente. Com isso, não posso esquecer que sou missionário – porque cristão – em cada momento da vida. Não posso estar fazendo missão, apenas quando eu falo sobre ou contribuo para uma atividade específica, mas devo me ver missionário, sê-lo.
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A evangelização, que decorre desse modo de ser – não de estar –, provém do fato de que devemos anunciar uma Pessoa. E não há modo melhor de comprovar a eficácia e o valor de certa mensagem do que quando a mostramos com nossa própria vida. Quando sabemos agir como aquele que anunciamos, qualquer palavra torna-se desnecessária. O testemunho, nesse momento, fala mais alto e penetra mais nos ouvidos e na inteligência dos outros do que qualquer outra palavra ou ação.
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É o Cristo quem nos adverte: “Ficai atentos” (Mt 24, 42). Não podemos esperar uma atividade específica para se dizer missionário ou evangelizador. Tenho que agir de forma que, a qualquer momento, eu esteja apto para dar as razões de minha opção inicial, de minha fé. Isso não começa das grandes obras ou dos eloqüentes discursos, mas a cada circunstância de minha existência, por menor que seja.
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Seria muito bom se soubéssemos o dia em que seremos cobrados pelas nossas obras: planejaríamos bem esse momento, nos prepararíamos para ele. Jesus nos ensina que sua volta ocorre de forma contínua, em realidades que nunca esperamos ou nem percebemos.
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Maria é aquela que soube ser fiel em pequenas coisas. Não vemos grandes realizações em sua história, mas a fidelidade era o elemento que a definia como mãe do Salvador. Ela conseguiu atualizar e materializar a mensagem de Deus, em Jesus, a partir de um pequeno “sim”.
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Foi a jovem de Nazaré quem nos ensinou que o maior grito de evangelização se dá no anúncio da presença do Cristo em nossa humanidade. Ela não falou sobre, mas soube trazer dentro de si essa Palavra, testemunhando-a com sua própria vida, sendo, ao mesmo tempo, considerada a mulher do silêncio.

Um novo reinado

O que é um rei? Segundo o dicionário Aurélio é um “soberano que rege um estado monárquico”. E o que é reger? É o ato de “governar, administrar”.
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Celebrar a Festa de Cristo Rei do Universo é compreender a vitória daquele que soube, como ninguém, abraçar de forma integral a humanidade que permeava o mundo em que vivia. Por que rei? Por ele soube ver no homem a possibilidade de plenitude, de perfeição, e soube construí-la.
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Qual o trono desse novo rei? A cruz. É no alto da cruz que Cristo confirma a plenitude da humanidade, regendo-a. O homem só pode afirmar-se como plenamente humano – portanto, divino – quando ele consegue aceitar sua condição de material, perecível, criatura que necessita de uma força maior, que o transcende.
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Ele precisa aceitar aquilo que de fato é. Tudo que extrapola essa realidade vai de encontro à Vontade Divina, criando-se, logo, um distanciamento de Deus, que dói, e nos empurra para baixo: eis aí o inferno.
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“Salve-se a si mesmo...” (Lc 23, 35), “Você pode não sofrer...”, “Há caminhos menos dolorosos...”, “Você pode reinar sobre nossa terra...”
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Cristo mostrou, entretanto, que era necessário ultrapassar a lógica de uma dominação meramente terrena. O homem precisava ser senhor de sua própria realidade, saber olhá-la de forma integral. Prazeres individuais, caminhos fáceis e dominação temporária são coisas perecíveis. O homem é chamado a ir além, estar acima de tudo isso.
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“Salva-te a ti mesmo!” (Lc 23, 37), “Se dominas a situação, podes sair disso...”, “Tens o poder de descer da cruz...”.
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Por que poderia dizer um “sim” ou um “não” ao sofrimento, Jesus soube ser livre. Sua dor foi abraçada sem nenhuma coação. Ele quis mostrar ao homem que o sentido da vida não estava em não sofrer, mas em saber que essa realidade é uma condição natural da vida.
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Fugir dela é estar preso em um desejo desenfreado por um bem-estar que, mais cedo ou mais tarde, sempre nos frustra. Ele nos decepciona porque aparece e desaparece constantemente e não temos controle sobre ele. Andar livre é saber que não sou dependente de um prazer para viver, tampouco tenho que fugir de uma dor.
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“Salva-te a ti mesmo e a nós” (Lc 23, 39), “Eu também preciso levar vantagem nessa situação...”, “Preciso de um Deus que atenda às minhas necessidades...”, “À minha imagem e semelhança...”.
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Gostamos de ver o Cristo ressuscitado, vitorioso sobre a morte, mas temos muita dificuldade em vê-lo na cruz, sofrendo ou morto. Por quê? Esperamos os benefícios que ele nos oferece pelo seu sacrifício, mas esquecemos da completude de sua mensagem: para entrar na glória é preciso passar pela cruz, ou seja, construí-la no esforço.
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Àquele que compreendeu o mistério do Cristo crucificado, foi dada a promessa: “ainda hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23, 43). Reconhecer a mensagem de um Deus que se encarna e mostra ao homem o caminho a ser seguido é aproximar-se do mistério da ressurreição.
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O indivíduo que foi suspenso numa cruz estava acima de muitas coisas. Mais do que isso, sabia que estava acima de tudo, de qualquer dor, humilhação ou injustiça. Ele não se deixava afetar por nada disso, pois era livre. De fato ele sabia governar aquela situação, administrar aqueles fatos de corrupção, fraqueza e negação humana. Por quê? Ele era o Rei da Humanidade, do cosmos que nos permeia, ou seja, era Rei do Universo.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Ir às raízes

“A minha alma está armada e apontada para a cara do sossego. Pois, paz sem voz não é paz, é medo.”
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O conflito que vimos se ampliar no Rio de Janeiro, no Complexo do Alemão, foi reflexo de uma problemática muito mais ampla do que imaginamos. Não estávamos somente diante de um conflito entre soldados e traficantes ou heróis e bandidos, mas diante de um mundo da vida fundado na injustiça e no privilégio de poucos.
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Ao lançar um grande número de soldados naquelas favelas, o Estado e os que o apoiavam estavam como que somente a remexerem em um grande entulho. Entretanto, não se levava em conta que tráfico, assassinato, roubo e seqüestro são apenas a ponta de um iceberg, de um problema que encobre mais do que demonstra.
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A invasão pode ter sido um sucesso. Todos os procurados podem ter sido descobertos, mas isso não representaria a solução dos atuais conflitos sociais.
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A música A paz que eu não quero, composta por Marcelo Yuca, critica uma paz que é construída sobre o silêncio de muitos. Uma tranqüilidade que construída sem a análise aprofundada dos conflitos, somente pela força das armas de uns mais fortes “não é paz, é medo”. O homem, e nós cristãos, principalmente, não podemos aceitar uma paz construída com armas, é preciso ir além, ir às raízes.
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Invadir, prender, calar e matar, são, de fato, soluções mais práticas, mais fáceis, mas solucionaria tal problemática? Se todos os marginais fossem isolados da sociedade, teríamos, realmente construído a paz que tanto desejamos para o nosso mundo e para a nossa vida? João Batista, ao olhar para o mundo em que vivia, profetizava: “O machado já está na raiz das árvores, e toda árvore que não der bom fruto será cortada e jogada no fogo” (Mt 3, 10). Se ficamos retirando da sociedade somente os frutos ruins e não formos à raiz de sua organização para verificar o porquê de tanta barbárie social, correremos o risco de perder os frutos que ainda permanecem intactos.

O que leva um homem a comercializar drogas ou a se drogar? Ou a retirar os bens de outros? O que impulsiona um indivíduo a, diante de um semelhante, retirar-lhe a vida? Que raízes alimentam esses frutos? Isolá-los ou eliminá-los seria a resposta? O que podemos fazer ainda com essa árvore? Podá-la ou replantá-la? Ela precisa ser mesmo totalmente lançada ao fogo?
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É preciso, portanto, rever nossos conceitos de justiça e paz social. Punir quem inflige a lei é sempre mais fácil do que rever as bases que fomentam uma estrutura comunitária. Silenciar com armas e leis um problema é muito mais fácil do que revertê-lo, por que dá mais trabalho e requer o interesse de reverter algumas posturas e compreensões de mundo que podemos não estar dispostos a mudar.
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Podemos ter a certeza de que esse problema pode ser silenciado, e o foi, segundo as ações que foram desenvolvidas naquele local. Mas devemos lembrar que um silenciar é diferente de um solucionar, pois o ato de encobrir um conflito e esquecê-lo temporariamente representa o ato de colocá-lo sob panos quentes . Porém, quando esses esfriam, o que estava escondido volta com muito mais força e poder de dano.
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Para construir a paz que queremos é preciso ir às raízes, não silenciar, pois “paz sem voz não é paz, e medo”.