domingo, 22 de março de 2009

"Mulher, onde estão os outros?" (Jo 8, 10).


A mídia vem há algumas semanas nos apresentando o caso da “menina de nove anos que foi estuprada pelo padrasto”. Com sua poderosa divulgação e genial articulação chegou ao que queria: reacender a questão sobre o aborto e criticar a “medieval Igreja Católica”.
.
A doutrina que direciona a nossa vida cristã católica afirma: “A vida humana deve ser respeitada e protegida de maneira absoluta, a partir do momento da concepção” (CIC 2270), por isso nos adverte: “A cooperação formal para um aborto constitui uma falta grave” (CIC 2272). Essa proposta, mais do que uma lei inquestionável é um meio educativo de sermos convocados à proteção da vida humana de forma integral.
.
Lembremos, porém, de outro fato. Quando Deus estava para apresentar a Sua Lei, Ele nos lembra: “Eu sou Javé teu Deus que te tirou da terra do Egito, da casa da escravidão” (Ex 20, 1). A lei não nos foi dada para que ficássemos presos nela, mas para que fôssemos libertos e não irmos de encontro ao Deus da Vida.
.
Quem vai de encontro a vida humana não se aproxima do Deus que é Vida, portanto, não entra em comunhão com Ele. A atitude do bispo não foi arbitrária, apenas ele está em conformação à sua missão de defensor do magistério da Igreja, anunciadora da Vida: quem nega a vida não pode estar em comunhão com o Deus Vida.
.
Apresentemos esse caso ao supremo Juiz, sumo sacerdote “capaz de se compadecer de nossas fraquezas, pois ele mesmo foi provado em tudo como nós” (Heb 4, 15). Se deixássemos Jesus julgar esse caso, se apresentássemos a Ele os médicos, o padrasto, a mãe e a menina, qual seria a sua resposta?
.
Quem de nós sabe o nome da “menina de nove anos”? Quem de nós conhece a história e as condições de vida do padrasto e da mãe daquela criança? A mídia, todavia, é imponente ao dizer o nome do homem que excomungou os envolvidos no aborto: Dom José Cardoso Sobrinho, bispo da Igreja Católica Apostólica Romana.
.
Talvez a resposta de Cristo fosse a mesma dada a mulher que também estava a ser excluída pela comunidade: “Mulher, onde estão os outros?” (Jo 8, 10). Onde estávamos nós, Igreja, que é mãe e mestra, quando a menina estava a ser violentada pelo padrasto? Ou quando aquela família estava a se constituir de forma equivocada, livre de uma educação e um testemunho cristão?
.
Antes de julgar o bispo, a mãe, o padrasto ou os médicos, façamos o mea culpa, pois somos também responsáveis pelas condições de vida de todos os nossos irmãos, de todos os fatores que levaram a consumação desse crime. Não devemos criar bodes expiatórios para os problemas sociais, devemos ser os primeiros na luta por condições justas de vida, principalmente nós, como cristãos, a quem cabe o testemunho, na defesa da vida em todos os seus aspectos e manifestações, sentindo-se responsáveis por toda a comunidade dos filhos de Deus. Só assim, como o Cristo, que compreendeu as condições em que aquela mulher estava, podemos dizer como Ele: “Nem eu te condeno” (Jo 8, 11).
.
.
[Artigo Publicado no Jornal "A Folha", da Diocese de Caicó, ANO XXI, Nº 149, 21/03/2009]

Sim ou Não?


Quando somos levados a pensar a questão da segurança pública, muitos temas saltam aos nossos olhos, um deles é a redução da maioridade penal. Como cristãos inseridos em um contexto social somos convidados a dar uma resposta a esse conflito.

O problema se levanta quando somos chamados a dar uma opinião: “sim ou não?”. Fato é que um “sim” ou um “não” nem sempre são capazes de responder a problemas tão abrangentes quando se refere à pessoa humana. Ao contrário, respostas como essas só levam a uma polarização e a uma redução do problema, evitando uma maior compreensão do assunto.

Ao considerar o problema da possibilidade – ou não – da redução da maioridade penal para a punição de jovens infratores, surgem diversos pensamentos prontos que fazem as pessoas tomarem partido com um sim ou um não. Nesse movimento, é negada uma visão mais complexa que se requer ao ser tratado temas que envolvam a pessoa humana e sua dignidade.

A opinião de que um jovem de 16 anos está com total maturidade cognitiva e emocional é verdadeira, prova disso são as lições de vida, as capacidades e até a mentalidade que um adolescente a partir dos 12 anos começa a desenvolver. Sem falar do reconhecimento por parte do Estado em dar à pessoa de 16 anos o direito de decidir seu representante e à de 18, o reconhecimento da capacidade de condução de um veículo motorizado.

Por outro lado, a questão não será resolvida na prisão do jovem infrator junto a outros “adultos no crime”. O problema nesse ponto abrange-se, já que o sistema carcerário no Brasil apresenta-se com enormes deficiências. Somar mais um grupo de pessoas aos presídios é aumentar um problema que já está posto.

A função do sistema carcerário perdeu uma dimensão educativa, de reabilitação do indivíduo para uma nova participação social em oposição a uma “justiça” punitiva. O indivíduo que rouba um celular ou uma lata de leite, por exemplo, é posto ao lado de um assassino, somando tudo isso a uma convivência superlotada e um sentimento de revolta constante. Um sistema desse tipo é uma escola de criminalidade e de revolta que no lugar de corrigir, faz crescer o índice de violência.

Quem pratica um crime, desde o roubo de um alimento, de um celular, ou de uma grande quantia de dinheiro, ou quem comete um assassinato está em busca de algo que lhe foi negado pela própria sociedade: uma educação familiar em condições dignas de vida e uma estrutura social com respeito à pessoa humana.

Não é, portanto, deixar de punir os que erram, uma solução para esse conflito, já que se estaria a ser conivente com o próprio crime. “Corrigir os ignorantes” é um imperativo cristão diante dos erros dos nossos irmãos, mas que também requer uma compreensão do valor da dignidade da pessoa que cometeu a infração. A ação de correção conforme o erro, educando cada um para uma nova convivência comunitária é uma necessidade urgente diante da “salada” de experiências que são nossos presídios, em uma nova escola de revolta e novos crimes.

A correção do jovem que praticou um crime é sim necessária – assim como para qualquer pessoa de qualquer idade. Mas, quando se põe em contato pessoas com diferentes delitos em uma mesma situação precária de vida, é arriscar a possibilidade de reintegração social, assim como negar os direitos de um cidadão que ainda possui uma dignidade humana, mesmo que essa tenha sido negada pela própria sociedade e formá-lo para dar continuidade a uma sociedade injusta e violenta.
.
.
[Artigo Publicado no Jornal "A Folha", da Diocese de Caicó, ANO XXI, Nº 148, 14/03/2009]

domingo, 8 de março de 2009

À Sua imagem e semelhança


Quando Deus criou o mundo do caos e deu uma ordem, Ele pôs homem no ápice da criação. Mesmo saindo do pó da terra recebemos algo diferente: o sopro de Divino. A Providência não se contentou com a criação de seres de imensa beleza que por si só já seriam capazes de manifestar sua sabedoria, e criou o homem à sua imagem e semelhança.

Com aquele sopro, fomos configurados à sabedoria divina – mesmo de modo incompleto -, recebemos a racionalidade. Com o intelecto, agimos pelo livre-arbítrio. Deus quis que nós nos aproximássemos dele de modo livre. Podendo negá-lo, afastando-se Dele nos afirmando como conhecedores do “bem e do mal”.

Com o pecado, Deus não pune o homem, mas mostra a consequência do seu próprio erro. Porém, a Divindade suprema, nunca nos tira aquele sopro primeiro. Somos, portanto, convidados a buscar novamente a proximidade com Deus, utilizando o que nos torna semelhantes a Ele, e únicos na criação: a sabedoria.


É por meio da razão que podemos manifestar a própria essência Divina: a caridade, o amor ao próximo de forma incondicional. Esse amor pelo irmão é concretizado na missão, que não é nada além do simples anúncio da pessoa de Jesus Cristo.


Como foi afirmado na Constituição Pastoral Gaudium et Spes, n. 22: “o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente”. Somente olhando para Cristo poderemos ver o exemplo da perfeita comunhão entre o homem e Deus. Não foi a negação da humanidade ou o afastamento dela que O fez Divino, mas o ato de assumi-la perfeitamente.


Deus chama os homens, como diz o Apóstolo, a “serem conformes à imagem do Seu Filho” (Rm 8, 29). Ele nos chama novamente a tornar-nos semelhantes a Si, convidando-nos a olhar Cristo, que tornou-se modelo quando compadeceu-se, profetizou, corrigiu e sofreu. A recompensa a ser dada a nós é a mesma atingida por Jesus: a ressurreição, o estado de plena comunhão com o Deus de suprema Sabedoria, Amor e Compaixão.


Somos também convidados a olhar nosso irmão como um outro Cristo, ver uma divindade que se faz presente na nossa humanidade. A negação da pessoa humana, pela violência à sua dignidade ou na omissão de sua defesa, constitui uma nova crucificação e um novo esconder-se e afastar-se de Deus.
.
.
[Artigo Publicado no Jornal "A Folha", da Diocese de Caicó, ANO XXI, Nº 147, 07/03/2009]