quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Amar a vida


“amai os vossos inimigos” (Mt 5, 44).

Em uma lógica apenas humana essa postura parece confusa de se entender e abraçar. Como podemos amar alguém que nos calunia? Quem faz de tudo para prejudicar a nós e aos que estão ao nosso redor? Como não revidar, direta ou indiretamente, a uma ação que nos irrita?

Tudo isso vai depender do que entendemos por amor. Se igualamos tal conceito ao de uma forte afeição, a uma ligação calorosa ou até a um sentimento afetivo erótico pelo outro, isso vai ser difícil e até impossível de se realizar.

No livro O monge e o executivo, de James Hunter, o autor afirma por uma de suas personagens uma definição quase que categórica sobre esse conceito: “o amor é o que o amor faz”. O conceito de amor que Cristo apresenta é o ágape, o amor doação, que não espera nada em troca, que não sofre pelos erros alheios nem guarda rancor pelas decepções sofridas.

Estamos todos no mesmo barco. Se afirmamos que alguém é corrupto, ladrão, falso ou incompetente em relação a nós e aos que estão ao nosso redor e sentenciamos que ele não tem mais jeito, o julgamos e o condenamos. Entretanto, esquecemos que nós também podemos cair nos mesmos erros, em semelhantes ou até piores em relação aos que julgamos.

Jesus Cristo nos apresenta uma postura pretensiosa: “Sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5, 48). Ele dá cumprimento à exigência feita por Deus no Antigo Testamento: “Sedes santos, porque eu, vosso Deus, sou santo” (Lv 19, 2).

Ser perfeito não é assumir uma realidade que está além de nosso mundo, mas é construir a plenitude de nossa existência. Uma árvore pode ser plena mesmo quando possui falhas em seu tronco, galhos incertos ou frutos de diversos tamanhos. Ela é perfeita por que conseguiu conquistar a meta de sua existência: nascer, crescer e dar frutos.

Do mesmo modo, ser perfeito é buscar tornar pleno aquilo que recebemos da vida, ou seja, a humanidade. E se sabemos que estamos envolvidos por uma humanidade com falhas e possibilidades também o outro, como semelhante, tem as mesmas chances de acertar e errar.

O perdão é a dinâmica que nos ajuda a compreender-se como seres humanos. Quando Deus ordena: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19, 18), ele está a nos ensinar que somos a mesma carne envolvida em histórias diversas.

Quando cometemos certos erros temos uma facilidade imensa para justificá-los. Se é alguém que amamos, levantamos logo a bandeira de que “errar é humano”. Porém, se é alguém por quem temos antipatia... chibata e castigos...

Ser santo como Deus é santo é cumprir o seu preceito de amor pleno e gratuito ao homem. Ressentir-se, ter ódio ou guardar as injustiças que cometeram contra nós é um mal que praticamos a nós mesmos. É um desgaste desnecessário que afeta a nossa própria qualidade de vida. Definir, julgar e condenar é assumir uma responsabilidade que não é nossa.

A Mãe do Filho de Deus é o exemplo pleno daquela mulher que soube entrar na dinâmica do perdão que se torna amor pelos que praticam erros. Maria que podia muito bem ter se distanciado daqueles que abandonaram seu Filho no momento da cruz soube estar com os discípulos no cenáculo e receber, com eles, o Espírito Santo de Deus.

Que nós também possamos entrar na dinâmica do amor ao próximo a partir da compreensão de que somos seres humanos, envolvidos por humanidade. Ver o homem como uma história de vida pautada por dores e alegrias, crescimentos e fracassos, feridas e vitórias é o caminho para se construir uma santidade iniciada pelo que temos de mais real: a vida.

Plenitude da lei, perfeição da Vida

A mídia está nos apresentando nesses dias a luta do povo pela democracia no Egito. Eles, depois de mais de trinta anos de poder de um único homem, exige liberdade política. Eles querem participar das decisões de seu país.

Mesmo sabendo que essa luta está cercada de outros interesses políticos e econômicos, uma coisa deve saltar aos nossos olhos: o homem luta por sua liberdade. Na ausência dessa, ele é capaz de ir às últimas conseqüências para construí-la.

Nessa construção, o homem é capaz de questionar, negar e até lutar contra o conjunto de normas e valores que os cercam. Em seu íntimo, ele sente quando sua livre decisão é atingida e anulada pela vontade de outros.

O povo egípcio busca um conjunto de novas leis que dêem liberdade para o seu povo. Eles querem ser protagonistas de sua história. Não aceitam que regras ditadas por um pequeno grupo ditem o que deve e o que não deve ser feito.

Aquele povo não está negando a lei e o seus valores simbólico, moral ou político. Eles apenas estão a questionar o desvio que ela cria quando não toma o valor da vida humana como centro de seus objetivos. Eles buscam uma lei que tenha a integridade do homem como centro.

Jesus Cristo, como Palavra de Deus, é a plenitude da Lei. Ele apresenta, em si, a vontade do Deus Pai. Jesus não impõe um novo preceito ou um novo modo de ser, mas apresenta em si mesmo a plenitude da vida, apresentada pelos santos e profetas durante a história da salvação. O que Deus pensou para o homem ele mostrou em Cristo.

Nesse sentido, Jesus não mais aponta ensina ou aplica a lei, mas é a própria lei. Como verdadeiro homem, ele demonstra que toda regra deve ter a pessoa e o valor de sua vida como centro. Obedecer a essa lei da vida não significa perder a nossa liberdade, mas caminhar para a plenitude de nossa existência.

Olhar para Jesus significa olhar para aquele que é o exemplo vivo da lei que gera a própria vida, por que ele mesmo é a vida. Ser livre, nesse sentido, significa caminhar em busca daquele para o qual fomos criados, ou seja, para uma vida em plenitude.

Maria é o exemplo mais claro da pessoa que soube viver da liberdade querida por Deus. Liberdade essa que se submete ao caminho apresentado pelo Senhor. Tal método não é humano, já que a vontade e a lógica humana crucificaram a Plenitude da Vida. O caminho verdadeiro deve ser o da vida e vida plena.

Que nós saibamos, como Maria, olhar para a vontade de Deus e aceitá-la em nossa existência como única meta nesse caminho para vida e liberdade. Saibamos olhar para a Lei, que tem Cristo como plenitude e a humanidade como seu principal objetivo, como algo que nos põe a caminho de uma liberdade prometida pelo Deus Pai, conquistada pelo Filho Ressuscitado e fortalecida pelo Espírito da Vida.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Fazer a diferença

Estamos, mais do que nunca, na cultura de massa. Vemos o mais famoso programa de TV, votamos no candidato da mídia, queremos vestir a roupa da moda ou adoramos o mais novo cantor e sua mais recente música... Estamos levando aquela velha “vida de gado: povo marcado, povo feliz”.

O problema desse tipo de postura é que vamos, aos poucos, perdendo nossa individualidade. Esquecemos que dentro de cada pessoa há uma singularidade e uma riqueza que ninguém pode encobrir. Nesse ritmo de ser e viver, não sabemos até quando podemos nos considerar como seres distintos, não no número do RG ou cartão de crédito, mas diferentes na história pessoal, nas habilidades e visões de mundo.

Ao levar uma vida de gado, marcado segundo os mesmos costumes e influenciado pelos mesmos interesses, perdemos a luz divina que recebemos no sopro da vida. Um sopro que nos faz diferentes das pedras, animais e plantas, por que nos torna únicos no mundo. Uma diversidade marcada pelo nosso DNA e comprovada pela história.

Cristo, em seu sermão da montanha, ainda nos aponta um caminho: é preciso ser “sal da terra” e “luz do mundo” (Mt 5, 13.14). É preciso fazer a diferença em uma cultura marcada pelos iguais, pela moda que dita o bonito e o feio, pelo conhecimento que diz o certo e o errado, pelo homem que julga o bom e o mal. Definições essas que não tomadas como verdades absolutas e inquestionáveis.

Para ser sal, é preciso aprender a marcar o espaço em que vivemos com a nossa presença, deixar para os que estão ao nosso redor o que temos de bom, o nosso respeito, o nosso serviço e o nosso desejo de ser irmão.

Fazemos a diferença quando demonstramos um modo de ser que é único, uma história de vida marcada por habilidades e falhas, vitórias e fracassos, alegrias e tristezas, valores e danos... Ser luz é demonstrar aos outros que podemos iluminar o lugar onde estamos por que temos algo a acrescentar àquele espaço.

Entretanto, não precisamos ser grandes astros ou o próprio Big-Bang [a grande luz] primeiro por que a velinha que está ao nosso lado pode desaparecer e, segundo, por que tais fenômenos luminosos tiveram e têm seus dias contados. Precisamos da constância da chama que, mesmo fraca, quando alimentada cotidianamente, pode durar uma vida longa.

O modo como acender essa fogueira nos é ensinado pelo profeta Isaias: “repartir a comida com quem tem fome, hospedar em sua casa os pobres sem abrigo, vestir aquele que se encontra nu e não se fechar à sua própria gente” (Is 58, 7). Não são discursos, frases ou palavras que tornam a nossa luz um meio de testemunhar as razões de nossa fé. Porém, são nas pequenas obras concretas da vida que manifestamos a presença do Espírito de Deus agindo em nós.

Deste modo, devemos saber que, mesmo com tudo isso, não brilhamos por nós mesmos. Nossa luz é fagulha de um brilho que não pode ser descrito, mas que nos induz a fazer a diferença no espaço em que estamos. Assim, nos confirma o Senhor: “que a luz de vocês brilhe diante dos homens, para que eles vejam as boas obras que vocês fazem e louvem o Pai de vocês que está nos céus” (Mt 5, 16).

Saibamos olhar para Maria e ver nela o exemplo daquela que soube gerar e portar a verdadeira luz do mundo: Jesus Cristo. Ela nos ensina que o serviço, a entrega e o sacrifício gratuito da própria vida são meios necessários para que a luz seja acesa e conservada no meio das pessoas. É essa a luz que nos salva e nos torna homens que sabem fazer a diferença, que aprendem a ser, verdadeiramente, sal da terra e luz do mundo.