segunda-feira, 29 de junho de 2009

Santidade: um elo para Deus


Estamos inseridos em uma estrutura social que considera o homem como meio para qualquer espécie de benefícios. Ele é tornado objeto para todas as ações, seu valor é definido pelo que é capaz de produzir a partir de suas competências e habilidades. Seus valores históricos, familiares e sociais são poucos – ou nada – considerados.


O homem, nessa relação, é transformado em uma máquina de produção de certos bens, que a sociedade estabelece como “necessários” para a vida. Por outro lado, ele vai sendo posto de lado nas próprias relações sociais. O bem comum, que deveria ter o valor da vida humana como centro de toda a ação política e social, é trocado por um progresso que instrumentaliza o próprio homem e o qualifica por suas capacidades, físicas e cognitivas.


Nosso Senhor escolhe Pedro, com uma teologia de contradição ao pensamento estabelecido de sua época, e que pode também ser atualizado para a nossa, para que ele seja pedra viva e primeira de Sua Igreja. Ele que era um simples pescador, que negou Jesus por três vezes e que não estava no Seu momento ultimo, a Cruz. Pedro, mesmo incapaz – e por que não dizer, indigno – foi escolhido para dar início a uma experiência de comunidade eclesial.


Jesus poderia ter escolhido alguém que tivesse mais habilidade para “coordenar” sua Igreja, pastorear seu rebanho. Escolheu, entretanto, um que não tinha nem um nível elevado de conhecimento, nem experiência, mostrando-nos assim que a ação da Igreja, mesmo sendo humana, segue uma proposta divina, providencial que tenderá sempre para a perfeição.


A confirmação de que Jesus era “o Cristo, o filho do Deus vivo” (Mt 16, 16) fez com que Pedro se tornasse aquele que estaria à frente do rebanho do Senhor. Foi somente a experiência de reconhecimento do Cristo como Palavra Viva do Pai e modelo de perfeição humana que capacitou verdadeiramente a Pedro para a missão de ser ponte entre os demais homens e Deus, como confirma o próprio Senhor: “[...] não foi a carne ou o sangue que te revelaram isso, mas sim meu Pai que está nos céus” (Mt 16, 17).


Mesmo não alcançando de forma plena uma perfeição e uma completa imitação do Cristo, também somos capazes de nos tornar elos de ligação entre nossos irmãos e Deus. Podemos santificar a nós e aos outros pela compreensão da pessoa de Jesus Cristo como modelo perfeito de vida e santidade.


A figura do sacerdote entra, nesse sentido, como aquele que tem a autoridade de nos conectar (religião – religare=religar) à Deus, através dos sacramentos, da Palavra e, principalmente, de seu testemunho de vida, sendo presença viva e atualizada do Cristo em nossas comunidades. As suas imperfeições sinalizam que o Deus Perfeição age de forma histórica, humana, que atua na nossa cotidianidade e nos faz olhar para frente, na esperança de superação nas dificuldades da vida.


Que possamos buscar, a exemplo também dos Santos, uma perfeição nessa realidade em que estamos inseridos. Eles, que não são exemplos acabados e absolutos, nos ensinam que pela superação de nossos pecados ou pela luta, mesmo que por toda a vida, contra esses podemos conquistar a nossa santidade, sendo capazes também de refleti-la para os outros, santificando-os. Sejamos, portanto, novos intermediadores eficazes de um Deus que é a Plenitude da Santidade para sermos luzes a todos os nossos irmãos.

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[Artigo Publicado no Jornal "A Folha", da Diocese de Caicó, ANO XXI, Nº 162, 27/06/2009]

Fidelidade a Cristo


No último dia 19, sexta-feira, o Papa Bento XVI abriu o Ano Sacerdotal, que será comemorado até o dia 19 de junho de 2009 e seu início coincidirá com os 150 anos da morte de São João Maria Vianney, o santo Cura d’Ars. O Ano terá como tema: “Fidelidade de Cristo, fidelidade do sacerdote” e como finalidade: “Levar a perceber cada vez mais o papel e a missão do padre na Igreja e na sociedade contemporânea”.


O padre, de modo ministerial e sacramental, é aproximado ao Cristo, configura-se a Ele e, a partir daí tem o dever de atualizá-lo em toda a sua vida, em todas as suas ações. O sacerdote é aquele que deve aproximar-se da pessoa de Jesus de forma mais excelente e concreta. É nesse sentido que se apresenta a dimensão e exigência da fidelidade do padre, em conformação com a fidelidade do Cristo.


Ele é convidado a tornar presente e atual o próprio Cristo e todas as suas características: na simplicidade de espírito e vida, no anúncio de um novo reino possível, no sacrifício cotidiano de entrega para a construção desse novo mundo, da morte de uma vida para si e doação no serviço ao outro, tendo, como todos que fizerem essa opção, o prêmio de tudo multiplicado por cem (cf. Mt 19, 29), do que ele tenha deixado, obtendo a Vida Eterna. Se o presbítero fugir de uma sequer dessas dimensões ele está se afastando do próprio Cristo não sendo fiel a Ele.


A conformar-se ao Senhor, Palavra de Deus encarnada na humanidade, o sacerdote também é convocado a encarnar-se. Sendo aquele que faz o elo de ligação entre o homem e Deus, compreendendo-se – e isso é importante! – dentro dessa relação, ele, portanto, não é neutro socialmente. Como afirma o Apóstolo: “[...] todo Sumo Sacerdote, tirado do meio dos homens é constituído em favor dos homens em suas relações com Deus [...]. É capaz de ter compreensão pelos que ignoram e erram, porque ele mesmo está cercado de fraqueza” (Heb 5, 1s).


Deste modo, é que a formação e a compreensão do sacerdote contemporâneo deve ser vista com um novo olhar. A sociedade está cada vez mais globalizada, os avanços científicos, tecnológicos e do conhecimento estão rapidamente se especializando e sendo difundidos pelo mundo. O sacerdote não deve ser mais um a receber uma cultura de massa, que cega as pessoas diante dos interesses políticos, econômicos e sociais.


O padre, como presença viva do Cristo, sabedoria divina e perfeita, deve conhecer, antes de tudo, essa realidade, mesmo de forma limitada, em que está vivendo e saber apontar saídas ou outros caminhos para uma sociedade sem rumos como a nossa, com um “Deus”, que nas palavras de Nietzsche, “está morto”.


Todavia não são somente os sacerdotes que estão configurados ao Cristo. Todos os que são batizados, tornam-se participantes do sacerdócio comum dos fiéis e, por isso, são chamados a terem as mesmas atitudes de Jesus: simplicidade, anúncio e morte para conseguirem a Vida Plena. Mesmo diante de conflitos em nossas vidas devemos sempre ser fiéis ao Cristo, modelo e fim de todas as nossas ações, pois ele é quem põe ordem ao caos, isto é, a desordem de nossa vida (cf. Mc 4, 39). É somente Ele quem tem o poder de dizer às nossas limitações e conflitos: “Até aqui chegarás e não passarás: aqui se quebrará a soberba de tuas vagas [ondas]” (Jó 38, 11).

Como afirma São Paulo: “[...] um só morreu por todos e que, por conseguinte, todos morreram” (2 Cor 5, 14) e é por essa morte que nos aproximamos dele, como continua o Apóstolo: “Se alguém está em Cristo, é nova criatura” (2 Cor 5, 17). Que não tenhamos medo (cf. Mc 4, 40) de nos aproximar do Homem-Deus, pois só Ele, como realidade perfeita, não falha.

[Artigo Publicado no Jornal "A Folha", da Diocese de Caicó, ANO XXI, Nº 161, 20/06/2009]

Somos sementes



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A sociedade moderna, marcada pelo ideal de eficiência e rapidez na produção de bens materiais ou nas relações entre os seus indivíduos, cria no homem uma marca que lhe é prejudicial: o imediatismo. Nessa velocidade e eficácia, principalmente nas relações sociais, parece ser esquecido que as pessoas que delas participam são humanas, e, como tal, possuem uma formação gradativa, contínua e, principalmente, paulatina, isto é, sua transformação não será dada de um dia para o outro.


O filósofo alemão Karl Marx (1818 – 1883), com a colaboração de seu colega Friedrich Engels (1820 – 1895), escreveu em 1847 o Manifesto do partido comunista. Nela, Marx faz uma crítica ao sistema capitalista e propõe o socialismo como modelo de governo. Para ele, no socialismo não haveria concentração de bens, todos viveriam de modo igualitário, seria extinta a concentração de riquezas, logo, não existiria necessidades materiais entre os homens.


Ao ouvir isso, parece que estamos diante da proposta de Cristo realizada pelos primeiros cristãos. O erro do marxismo não está em propor uma sociedade justa e fraterna, mas no modo como chegar a ela. Marx afirmava que para haver uma transformação social era preciso uma revolução. O povo tomaria o poder usando, se preciso fosse, a violência. Aqui é afastada a proposta de Cristo.


Muitas vezes, somos também tomados por esse tipo de idéia quando queremos ser agentes revolucionários de uma transformação social imediata. Queremos abraçar e mudar o mundo com nossas próprias mãos e esquecemos que somos somente parte de um organismo maior do que possamos imaginar.


Ao mostrar a construção do Reino de Deus associando-o à imagem da semente de mostarda – uma das menores – que é plantada e aos poucos vai crescendo, somos chamados à atenção de que a edificação daquele não será de forma imediata nem unicamente dependente de nós. É somente sob o Espírito de Deus, que possui uma pedagogia e o um tempo próprio, que o Reino se tornará pleno e não com nossas falhas e limitadas ações. O homem é sim, agente das ações sociais, mas é Deus quem transforma e direciona todas essas para o seu Plano Divino de construção de um mundo perfeito “sem que ele [o homem] saiba como” (Mc 4, 27), sempre na ocasião oportuna.


É nesse sentido que não cabe à nós “conhecer os tempos ou os momentos” (At. 1, 7) dos planos de Deus, basta-nos seguir as Suas propostas. Devemos caminhar, nas palavras de Paulo, “pela fé e não pela visão” (1 Cor. 5, 7). Mesmo sem compreender muitas coisas, mas caminhando sempre sob os mandamentos divinos, temos a certeza de que ele guia nossos passos e nossas ações para a edificação da cidade perfeita. Nossos sentidos, pelo contrário, são falhos e limitados para se dizer fonte de verdade ou de boa ação.


Por outro lado, mesmo vivendo neste mundo e sabendo que “estamos fora de nossa mansão, longe do Senhor” (1 Cor. 5, 6), não devemos ficar de braços cruzados, contemplando o céu, esperando a vinda de Jesus, pois, na plenitude dos tempos seremos julgados pelo que fizemos de bem ou de mal (Cf. 1Cor. 5, 10) nesta terra, tendo Cristo como Supremo Juiz, ele que também é modelo de nossas ações.

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[Artigo Publicado no Jornal "A Folha", da Diocese de Caicó, ANO XXI, Nº 160, 13/06/2009]

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Deus é Pai

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Dentro de uma cultura pós-moderna, onde conceitos como subjetividade, individualidade e liberdade, em todos os seus aspectos, são valores cada vez mais confirmados pela sociedade, estão sendo perdidos outros essenciais que dão sentido e norte para as nossas vidas. Dentro desse ambiente, valores como a tradição, disciplina, ordem e regras são postos de lado em vista de um autoconhecimento, autovaloração e outras séries de práticas que tem em vista colocar o homem como centro de si mesmo. Ele torna-se senhor de sua própria vida.


O filósofo alemão chamado Friedrich Nietzsche (1844-1900), disse a espantosa frase de que “Deus morreu”. Todavia, não foi Nietzsche quem matou Deus, mas nós. O homem mata Deus toda vez que se acha conhecedor do bem e do mal, deixando-o de lado, negando-o. Se eu sou o senhor de minha vida, tenho todas as capacidades emocionais e cognitivas para administrá-la e tenho as habilidades de julgar tudo, não precisarei de ninguém que me ponha normas ou caminho para seguir. Eu sou Deus.


Ninguém melhor do que a própria história para nos lembrar dos grandes erros sociais que se deram em nome da razão e do desenvolvimento científico. Não podemos esquecer também das barbáries que aconteceram – e ainda acontecem – em nome de uma fé e de um deus, que podem ser tudo, menos Amor, Caridade, Justiça e Sabedoria. Tudo isso nos mostra que precisamos de referências para a nossa vida, de modelos e regras que nos apontem caminhos para as nossas ações.


Aos nos dar o Espírito Santo e Santificador, Deus nos chama para estarmos próximos dele. Como acrescenta São Paulo na carta aos romanos: “Todos os que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus” (8, 14). Ter Deus como Pai é saber que temos uma autoridade para obedecer, não como escravos, mas filhos e nas palavras do próprio Cristo, “amigos” (Jo 15, 15). É saber que suas palavras, não são regras opressoras, mas “espírito e vida” (Jo 6, 63). É o próprio Javé quem pede que guardemos suas leis e mandamentos “para que sejas feliz, tu e teus filhos depois de ti, e vivas longos anos sobre a terra” (Dt 4, 40).


Seguir, portanto, os mandamentos e caminhos de Deus é a garantia da vida feliz, que ele mesmo nos prometeu enviando, para isso, seu Espírito. É esse mesmo Espírito Santo que nos impele a ir anunciar (missão) o exemplo da Pessoa de Cristo, chamando todos à esse modelo de vida (discipulado), seguindo-o. É o Senhor mesmo quem nos convoca a unir todas as pessoas em volta dele (batismo) “ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei” (Mt 28, 20). Jesus sim, é o mandamento, o modelo, o caminho vivo proposto pelo nosso Pai Supremo.


Vejamos o caminho dos santos. Eles que, sem facilidades e muito sacrifício, buscaram seguir os mandamentos do Senhor em sua diversidade de carismas e habilidades, tendo sempre o Cristo como maior modelo e via para se chegar ao Pai. Saibamos resgatar valores que levaram muitos à uma vida feliz, simples, mas santa. Consideremos a disciplina, normas e limites que existem em nossas comunidades, não como aquilo que barram a nossa liberdade, mas como propostas que nos dão luzes para o nosso caminhar, tão cheio de trevas pela nossa prepotência em querer saber e julgar tudo. Possamos com autoridade e coerência dizer: “Abbá, Pai!” (Rm 8, 17) e seguir, sob suas propostas e no seu Espírito, em direção ao Deus que é Suprema Perfeição.


[Artigo Publicado no Jornal "A Folha", da Diocese de Caicó, ANO XXI, Nº 159, 06/06/2009]