segunda-feira, 14 de setembro de 2009

O segredo da vida


O século XXI está sendo marcado por uma postura cada vez mais pluralista, complexa e dinâmica de encarar a realidade. Diante dessa rede de incertezas, muitas “fórmulas mágicas” surgem para que se possa buscar uma vida sempre mais fácil, cômoda e feliz.

O homem, estando inserido nessa mesma estrutura de pensamento, é levado a uma contínua busca de instrumentos que possam dar uma segurança para a sua vida. É nesse espaço que entram os famosos livros de autoestima: “Mudar a vida em doze semanas”, “Dez dicas para ser feliz”, “Quinze meios para um bom relacionamento”, “O segredo para a vida feliz”... Para tudo na vida existe uma resposta pronta.

Esses e muitos outros artifícios fáceis para a felicidade transformam realmente o homem em algo diferente: em objeto que pode ser mudado com facilidade. O indivíduo que passa a buscar mecanismos mágicos para a sua alegria esquece uma coisa muito simples: ele é um ser humano, e como tal, não cabe em fôrmas pré-estabelecidas.

O filósofo contemporâneo francês, Edgar Morin, afirma o homem como um ser complexo. Segundo ele, a pessoa humana é uma interação entre as dimensões biológicas, emocionais, espirituais, sociais, racionais, ou seja, como aquele “que é tecido em conjunto”. Ele não pode ter a sua pessoa fragmentada em parcelas, tampouco ser compreendido como um objeto a ser transformado por meio de fórmulas práticas.

Faz-se necessário, por isso, abrir-se para uma maior complexidade que é a pessoa humana, como ser que extrapola os nossos conhecimentos. Como aquele que, sendo imagem e semelhança do Divino, é também insondável.

Foi nesse mesmo sentido que Pedro foi repreendido por Jesus Cristo quando não aquis compreender os Planos Divinos que, muitas vezes, vão de encontro aos do homem. Quando Jesus disse que iria passar pelo sofrimento da cruz até a morte, o discípulo não o compreende, por isso rejeita tal ideia, recebendo, assim, a repreensão do Mestre: “Você não pensa as coisas de Deus, mas as coisas dos homens” (Mc 8, 33).

Por isso, a fórmula perfeita para a vida feliz se resume em uma palavra: Jesus Cristo. Somente na aproximação de nossa vida à de sua pessoa, podemos construir uma vida em plenitude. Recebemos dele mesmo a promessa para a vida feliz: “Se alguém quiser me seguir, renuncie a si meso, tome a sua cruz e me siga” (Mc 8, 34). Segui-lo, entretanto, requer algo que muitas vezes parecemos esquecer: viver a vida como ela é de fato, aproveitando todas as oportunidades que nos são dadas.

Somente quando tomamos nossa vida como uma rede de dores, felicidades, tristezas, trabalhos, alegrias, cansaço é que estamos nos associando ao Cristo, dando um sentido a minha realidade e encontrando a vida feliz.

O profeta Isaías parece ter compreendido e encontrado esse sentido da vida quando afirma: “O Senhor Javé me ajuda, por isso não me sinto humilhado; endureço o meu rosto como pedra, por que sei que não vou me sentir fracassado” (50, 7). Quando encontramos tal sentido, descobrimos a felicidade tão almejada, que vai além de qualquer fórmula ou segredo.

Saibamos ver em Jesus o único caminho para a vida plena e em todas as fórmulas ou “segredos” da vida feliz somente artifícios de redução do homem a mero objeto. Que possamos construir o sentido da nossa fé na imitação da pessoa de Cristo, sabendo conformar-se toda a nossa vida ao Seu modo de ser e agir.

Vejamos tal construção não por meio misteriosas fórmulas ou grandes segredos para a vida feliz, mas como algo concreto, que passa por uma inicial mudança de vida e um gradativo processo de conversão de nossa existência à realidade de Suprema Felicidade.
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[Artigo Publicado no Jornal "A Folha", da Diocese de Caicó, ANO XXI, Nº 172, 12/09/2009]

domingo, 6 de setembro de 2009

O pior surdo


Diz o ditado popular que o pior cego é aquele que não quer ver. Poderíamos a este acrescentar que o pior surdo é aquele que não quer ouvir.

A sociedade contemporânea apesar de ter trazido para o homem a globalização, marcada pela aproximação de todas as pessoas, cria também uma cultura de isolamentos. Parece que, quanto mais os homens se aproximam uns dos outros, mais eles percebem as qualidades e limitações dos indivíduos e se fecham em si temendo que os outros possam prejudicá-lo.

O homem cria para si mecanismos de defesa, seja material, intelectual, psicológico ou espiritual, para que possa se proteger do outro, que é sempre um desconhecido. Estamos, muitas vezes, fechados ao que pode vir até nós.

Cada pessoa vai criando seu próprio mundo. Nesse ambiente, só entra quem ou o que se quer. São criadas tantas barreiras que o indivíduo passa a aprender somente aquilo que lhe agrada ou o que pensa ser a verdade. Com isso, ele se fecha ao mistério do outro e da possibilidade que temos de aprender com ele.

O filósofo alemão Friedrich Hegel (1770-1831), afirmou que o pensamento é um processo de construção entre a tese e a antítese, a formar a síntese. Em outras palavras, a construção de um pensamento se dá por uma afirmação e, em seguida, pela negação dessa. Só com isso, é que se torna possível a formação de uma terceira e mais completa idéia, pela crítica dos pontos negativos, para que a tese se aperfeiçoe. A todo esse processo, Hegel denomina dialética.

A mesma coisa deve acontecer com o homem. Ele é chamado a questionar as próprias idéias e as que já estão formadas, não para negá-las, mas para que elas possam estar em contínuo aperfeiçoamento. Ele deve ter uma postura crítica diante dos outros e de si mesmo, sabendo apontar todas as limitações para superá-las.

Por isso, o homem deve ser dialético, ou seja, estar em contínuo processo de crescimento, de aperfeiçoamento. Mas, para que isso ocorra, é necessário negar-se a si mesmo, saber ver as próprias falhas, podendo extrapolá-las. É aí que entra a exigência de abertura ao que o outro tem a nos ensinar, ao que ele tem a acrescentar a nós.

Para isso, devemos abrir toda a nossa existência para que o outro possa entrar, nos formando com suas qualidades e até mesmo com suas limitações, considerando a pessoa humana sempre como um mistério, um mundo desconhecido que sempre foge às nossas compreensões.

Podemos ver na pessoa de Jesus Cristo a ideal postura de homem dialético, daquele que soube esvaziar-se de si mesmo e se aproximar da humanidade com toda a humildade possível. Somente quando tomamos o espírito de Cristo que, nas palavras daqueles que admiravam seus gestos, “faz tanto os surdos ouvirem como os mudos falarem” (Mc 7, 37), podemos aperfeiçoar nossa humanidade.

Quando imitamos Seus atos podemos realmente aprender a ouvir o que o mundo tem a nos ensinar e também a falar, educando os outros pelo que temos de bom, principalmente pelos nossos atos, dando-lhes a razão de nossa fé.

Que a voz do Senhor possa tocar nossa existência e abrir (cf. Mc 7, 34) nossos sentidos para o mistério da pessoa humana. Possamos sempre aprender com o outro, que nos ensina com os bons exemplos, imitando-os, e com limitações, tornando-nos capazes de corrigi-las, não dando prosseguimento às suas falhas.

Quando sabemos aproveitar tudo o que é posto a nossa frente, de ruim ou de bom, estamos nos abrindo ao processo de ascensão do homem rumo à Perfeição. Ao olhar o mundo como um corpo místico, como um lugar de varias habilidades, funções e conhecimentos distintos, podemos já vislumbrar, mesmo que de forma imperfeita, a completude humana. Para que essa se torne plena, faz-se necessária a humildade, força motriz da comunhão entre os homens e de concretização da Realidade Divina em nossa humanidade.

[Artigo Publicado no Jornal "A Folha", da Diocese de Caicó, ANO XXI, Nº 171, 05/09/2009]

Buscar o que é do alto



Toda a nossa estrutura de pensamento recebe a influência de uma filosofia que prega o antagonismo de todas as coisas. Tudo o que é posto aos nossos olhos é fruto de uma contradição: espírito-corpo; fé-razão; religião-ciência e por aí vai. Diante de tudo isso, o homem é chamado a procurar o que é melhor para si, muitas vezes negando o que é, aparentemente, contrário ao que ele escolheu.

O filósofo grego Platão, nascido no século V a. C., imaginou o mundo como uma contradição entre o mundo material e o que ele chamou de “mundo das idéias”. Esse último seria a realidade perfeita, e todo homem de bem deveria buscá-lo, mas para isso, deveria rejeitar tudo que fosse humano, material. O corpo seria uma prisão para a alma.

O problema de tudo isso, é que o homem começa a buscar realidades que estejam “superiores” a ele, e esquece de que vive em um mundo concreto, que não pode ser esquecido, tampouco negado. A ordem filosófica de Platão, levada a cabo por São Paulo, quando pede: “procurem as coisas do alto” (Cl 3, 1), é uma ordem tão presente e concreta quanto podemos imaginar.

Buscar o que está nos céus não é elevar toda a nossa atenção para aquilo que foge à nossa realidade, esquecendo daquilo que nos envolve. Entretanto, buscar o que está no alto é saber procurar o essencial nas coisas, aquilo que realmente nos motiva a buscá-las e que nos dá um sentido de ser e agir. Negar, portanto, tudo que fosse humano, seria negar toda a obra da criação, todas as ações planejadas por Deus com um fim específico: a elevação do homem para Ele.

É nesse sentido que Jesus Cristo chama a atenção dos fariseus quando esses aparentam querer buscar um mundo que esteja acima dos homens. A falsidade cresce quando são criadas regras e ações que pretendem manter os homens no alto, distantes dos outros homens, negando sua própria humanidade e, com isso, sua dimensão de criaturas.

Cristo, repreendendo-os, é incisivo: “Não adianta nada eles me prestarem culto, porque ensinam preceitos humanos. Vocês abandonam o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens” (Mc 7, 7-8). Elevar-se, para muitos, é somente para afastar-se de nossa realidade e buscar um refúgio em outro mundo. O mandamento perfeito de Deus, encarnado em Cristo, nos pede algo concreto, vivo: assumir a nossa humanidade amando Deus nos outros. Somente assim podemos elevar-nos real e concretamente para o alto.

É nesse sentido que nossa religião possui uma fé concreta, para homens e não para anjos. Como nos fala Tiago em sua carta: “A religião pura e sem mancha diante de Deus, nosso Pai, é esta: socorrer os órfãos e as viúvas em aflição e manter-se livre da corrupção do mundo” (1, 27). É humanizar, tornar concreta a Palavra de Deus, gerando novamente, assim como Maria, o Verbo de Deus, Jesus Cristo.

Que possamos ouvir a voz do autor bíblico quando nos propõe: “coloquem tudo em prática, pois isso tornará vocês sábios e inteligentes diante dos povos” (Dt 4, 9). Se Deus, que é a Inteligência em plenitude, nos dá um caminho a seguir, nada melhor do que se por a caminho. Que nossa fé possa ser voltada para homens, preocupada em ver os mandamentos do Senhor como pedagógicos, que nos conduzem para uma elevação.

Para isso, devemos efetivamente buscar o que está no alto. Não se afastando da nossa realidade, mas buscando aquele que nos mantém unidos a Deus, Jesus Cristo, o Homem-Divino. Procuremos, para isso, o essencial que existe em todas as coisas, que é a nossa dimensão de criaturas e a possibilidade de ascensão rumo a Deus.


[Artigo Publicado no Jornal "A Folha", da Diocese de Caicó, ANO XXI, Nº 170, 29/08/2009]