domingo, 6 de setembro de 2009

O pior surdo


Diz o ditado popular que o pior cego é aquele que não quer ver. Poderíamos a este acrescentar que o pior surdo é aquele que não quer ouvir.

A sociedade contemporânea apesar de ter trazido para o homem a globalização, marcada pela aproximação de todas as pessoas, cria também uma cultura de isolamentos. Parece que, quanto mais os homens se aproximam uns dos outros, mais eles percebem as qualidades e limitações dos indivíduos e se fecham em si temendo que os outros possam prejudicá-lo.

O homem cria para si mecanismos de defesa, seja material, intelectual, psicológico ou espiritual, para que possa se proteger do outro, que é sempre um desconhecido. Estamos, muitas vezes, fechados ao que pode vir até nós.

Cada pessoa vai criando seu próprio mundo. Nesse ambiente, só entra quem ou o que se quer. São criadas tantas barreiras que o indivíduo passa a aprender somente aquilo que lhe agrada ou o que pensa ser a verdade. Com isso, ele se fecha ao mistério do outro e da possibilidade que temos de aprender com ele.

O filósofo alemão Friedrich Hegel (1770-1831), afirmou que o pensamento é um processo de construção entre a tese e a antítese, a formar a síntese. Em outras palavras, a construção de um pensamento se dá por uma afirmação e, em seguida, pela negação dessa. Só com isso, é que se torna possível a formação de uma terceira e mais completa idéia, pela crítica dos pontos negativos, para que a tese se aperfeiçoe. A todo esse processo, Hegel denomina dialética.

A mesma coisa deve acontecer com o homem. Ele é chamado a questionar as próprias idéias e as que já estão formadas, não para negá-las, mas para que elas possam estar em contínuo aperfeiçoamento. Ele deve ter uma postura crítica diante dos outros e de si mesmo, sabendo apontar todas as limitações para superá-las.

Por isso, o homem deve ser dialético, ou seja, estar em contínuo processo de crescimento, de aperfeiçoamento. Mas, para que isso ocorra, é necessário negar-se a si mesmo, saber ver as próprias falhas, podendo extrapolá-las. É aí que entra a exigência de abertura ao que o outro tem a nos ensinar, ao que ele tem a acrescentar a nós.

Para isso, devemos abrir toda a nossa existência para que o outro possa entrar, nos formando com suas qualidades e até mesmo com suas limitações, considerando a pessoa humana sempre como um mistério, um mundo desconhecido que sempre foge às nossas compreensões.

Podemos ver na pessoa de Jesus Cristo a ideal postura de homem dialético, daquele que soube esvaziar-se de si mesmo e se aproximar da humanidade com toda a humildade possível. Somente quando tomamos o espírito de Cristo que, nas palavras daqueles que admiravam seus gestos, “faz tanto os surdos ouvirem como os mudos falarem” (Mc 7, 37), podemos aperfeiçoar nossa humanidade.

Quando imitamos Seus atos podemos realmente aprender a ouvir o que o mundo tem a nos ensinar e também a falar, educando os outros pelo que temos de bom, principalmente pelos nossos atos, dando-lhes a razão de nossa fé.

Que a voz do Senhor possa tocar nossa existência e abrir (cf. Mc 7, 34) nossos sentidos para o mistério da pessoa humana. Possamos sempre aprender com o outro, que nos ensina com os bons exemplos, imitando-os, e com limitações, tornando-nos capazes de corrigi-las, não dando prosseguimento às suas falhas.

Quando sabemos aproveitar tudo o que é posto a nossa frente, de ruim ou de bom, estamos nos abrindo ao processo de ascensão do homem rumo à Perfeição. Ao olhar o mundo como um corpo místico, como um lugar de varias habilidades, funções e conhecimentos distintos, podemos já vislumbrar, mesmo que de forma imperfeita, a completude humana. Para que essa se torne plena, faz-se necessária a humildade, força motriz da comunhão entre os homens e de concretização da Realidade Divina em nossa humanidade.

[Artigo Publicado no Jornal "A Folha", da Diocese de Caicó, ANO XXI, Nº 171, 05/09/2009]

2 comentários:

  1. Estava eu a atualizar o meu blog compartilhado e fiquei surpresa ao me deparar com suas atualizações. Passei os olhos de relance e voltei para confirmar se era o seu mesmo...rs. Digo isso porque achei as imagens e os títulos diferentes.

    Parabéns, você se superou e o texto está maravilhoso. Pena que as pessoas não fazem uso da dialética aqui no blog, afffff! rs

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  2. Estive aqui dando uma olhada e prendi-me mais do que imaginava. Li algumas postagens antigas e gostei muito. Até tornei-me seguidora para vir com mais frequência. Com certeza me fará muito bem. Um abraço...

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