domingo, 6 de setembro de 2009

Buscar o que é do alto



Toda a nossa estrutura de pensamento recebe a influência de uma filosofia que prega o antagonismo de todas as coisas. Tudo o que é posto aos nossos olhos é fruto de uma contradição: espírito-corpo; fé-razão; religião-ciência e por aí vai. Diante de tudo isso, o homem é chamado a procurar o que é melhor para si, muitas vezes negando o que é, aparentemente, contrário ao que ele escolheu.

O filósofo grego Platão, nascido no século V a. C., imaginou o mundo como uma contradição entre o mundo material e o que ele chamou de “mundo das idéias”. Esse último seria a realidade perfeita, e todo homem de bem deveria buscá-lo, mas para isso, deveria rejeitar tudo que fosse humano, material. O corpo seria uma prisão para a alma.

O problema de tudo isso, é que o homem começa a buscar realidades que estejam “superiores” a ele, e esquece de que vive em um mundo concreto, que não pode ser esquecido, tampouco negado. A ordem filosófica de Platão, levada a cabo por São Paulo, quando pede: “procurem as coisas do alto” (Cl 3, 1), é uma ordem tão presente e concreta quanto podemos imaginar.

Buscar o que está nos céus não é elevar toda a nossa atenção para aquilo que foge à nossa realidade, esquecendo daquilo que nos envolve. Entretanto, buscar o que está no alto é saber procurar o essencial nas coisas, aquilo que realmente nos motiva a buscá-las e que nos dá um sentido de ser e agir. Negar, portanto, tudo que fosse humano, seria negar toda a obra da criação, todas as ações planejadas por Deus com um fim específico: a elevação do homem para Ele.

É nesse sentido que Jesus Cristo chama a atenção dos fariseus quando esses aparentam querer buscar um mundo que esteja acima dos homens. A falsidade cresce quando são criadas regras e ações que pretendem manter os homens no alto, distantes dos outros homens, negando sua própria humanidade e, com isso, sua dimensão de criaturas.

Cristo, repreendendo-os, é incisivo: “Não adianta nada eles me prestarem culto, porque ensinam preceitos humanos. Vocês abandonam o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens” (Mc 7, 7-8). Elevar-se, para muitos, é somente para afastar-se de nossa realidade e buscar um refúgio em outro mundo. O mandamento perfeito de Deus, encarnado em Cristo, nos pede algo concreto, vivo: assumir a nossa humanidade amando Deus nos outros. Somente assim podemos elevar-nos real e concretamente para o alto.

É nesse sentido que nossa religião possui uma fé concreta, para homens e não para anjos. Como nos fala Tiago em sua carta: “A religião pura e sem mancha diante de Deus, nosso Pai, é esta: socorrer os órfãos e as viúvas em aflição e manter-se livre da corrupção do mundo” (1, 27). É humanizar, tornar concreta a Palavra de Deus, gerando novamente, assim como Maria, o Verbo de Deus, Jesus Cristo.

Que possamos ouvir a voz do autor bíblico quando nos propõe: “coloquem tudo em prática, pois isso tornará vocês sábios e inteligentes diante dos povos” (Dt 4, 9). Se Deus, que é a Inteligência em plenitude, nos dá um caminho a seguir, nada melhor do que se por a caminho. Que nossa fé possa ser voltada para homens, preocupada em ver os mandamentos do Senhor como pedagógicos, que nos conduzem para uma elevação.

Para isso, devemos efetivamente buscar o que está no alto. Não se afastando da nossa realidade, mas buscando aquele que nos mantém unidos a Deus, Jesus Cristo, o Homem-Divino. Procuremos, para isso, o essencial que existe em todas as coisas, que é a nossa dimensão de criaturas e a possibilidade de ascensão rumo a Deus.


[Artigo Publicado no Jornal "A Folha", da Diocese de Caicó, ANO XXI, Nº 170, 29/08/2009]

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