sexta-feira, 27 de maio de 2011

À contra mão

“Caminhando contra o vento, sem lenço, sem documento... eu vou”

Caetano Veloso

Nossa comunidade assistiu, de braços cruzados, a decisão do Supremo Tribunal Federal relacionada à união de pessoas do mesmo sexo. A partir dessa decisão, o Estado passou a reconhecer a união legal de pessoas homossexuais e também a assistir, com os devidos aparatos jurídicos e previdenciários, tais pessoas.

O que mais nos chama à atenção não é tal reconhecimento em si, mas os desdobramentos que esse processo apresenta, ao ponto se forçar na comunidade a mudança de compreensão do conceito de família, por exemplo. O que está sendo construída em nossa sociedade, mais do que uma luta por direitos, é a tentativa de abalo aos pilares que dão fundamento ao estado democrático de direito.

A partir do momento em que o Estado passa a ditar em quê se deve acreditar, formula conceitos cristalizados de certo e errado e pune àqueles que não seguem tal compreensão, muito menos quando esses não foram consultados nessa decisão, o sonho de uma democracia passa a escorrer entre os dedos dessa comunidade... E por esse momento histórico já passamos.

O centro do problema surge quando esse reconhecimento abre espaço para muitas outras lutas, aparentemente “legais”, que passam a vulgarizar o conceito de discriminação e violência. Estamos em um caminho em que se corre o risco de todo aquele que pensar diferente ou discordar desse modo de ser e agir seja enquadrado como “homofóbico”.

Na verdade, estamos inseridos em uma cultura tão simplista em suas relações humanas que aqueles que acreditam em uma proposta de vida natural passam a andar na contra mão de uma cultura pansexualista. Porém, o argumento pelo qual nos seguramos é mais simples do que se pode cogitar: o conceito que temos de família está na relação entre homem e mulher, abertos à possibilidade de ser gerada uma vida a partir de suas relações recíprocas e complementares.

Ouvimos São Pedro proclamando: “estai sempre prontos a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que a pedir” (1 Pd 3, 15). O argumento não é religioso, teológico, tradicional ou semelhante, mas natural: a partir das condições biológicas entre pessoas do mesmo sexo não há possibilidade de ser gerar uma nova vida.

Como cristãos, seguindo tal proposta, alicerçada pela tradição bíblica e fortalecida pelo magistério católico acreditamos que qualquer desvio dessa ideia gera uma corrupção de valores básicos na compreensão humana e, conseqüentemente, nas relações sociais.

Continua o Apóstolo: “Fazei-o, porém, com mansidão e respeito e com boa consciência” (1 Pd 3, 16). Não se está pregando, entretanto, uma cultura de intolerância ou violência. Pelo contrário, repudia-se qualquer dessas práticas, em comunhão com àquele que não excluiu nem mesmo os mais negados pela comunidade.

Devemos, todavia, abraçar esse “nadar contra a maré”, sabendo que estamos seguindo uma Palavra de Vida, uma proposta Divina que requer esforços daqueles que a assumem. Assim, justifica São Pedro: “será melhor sofrer praticando o bem, se tal for a vontade de Deus, do que praticando o mal” (1 Pd 3, 17).

Sabemos que, podemos ser até perseguidos ao dar as “razões de nossa fé”, mas também devemos compreender que, só assim, estaremos assumindo, em nossa vida, a Palavra que acreditamos. É Cristo quem afirma: “Se me amais, observareis os meus mandamentos” (Jo 14, 15). Uma prova de que amamos o Senhor é quando assumimos, em nossa vida, a sua proposta de salvação. Isso não com ideias ou filosofias, mas compreendendo com o nosso comprometimento social e político.

A Virgem Maria é aquela que mais nos ensina a assumir essa dinâmica de uma proposta comprometedora, muitas vezes à contra mão de uma cultura dominante. Diante da proposta de gerar um filho sem a participação humana dentro de uma cultura extremamente machista, sabendo que esse seria encarnação da Palavra Divina, ela soube dar um sim integral e destemido à essa Palavra.

Que o nosso caminho também seja o de assumir integralmente às razões de nossa fé, seja aquele que acreditamos ser de Vida Eterna. Mesmo que tudo isso seja motivo de críticas ou condenações, devemos abraçar todas as conseqüências que ela o implica. Se o fizermos, estaremos em comunhão com àquele que soube Ser Palavra de Vida e, nadando contra o vento, sem nada que o prendesse, abraçou a cruz e conquistou a glória que ela implica.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Ensinar a viver

“Quero ensinar-lhe a viver”

Rousseau

A Rede Globo de Televisão vem mostrando, nessa semana, uma série de reportagens sobre a educação no Brasil, em seus inúmeros contrastes, valores e deficiências. Desde a merenda até a integração escola e família, vemos que temos muito para crescer.

Mas, por que tanto descaso? Nosso país estaria passando por um momento de crise por falta de finanças para a educação? Faltam apenas professores qualificados para atenderem as demandas da docência? Ou o que está faltando mesmo em nossa cultura é a esperança?

A comunidade brasileira, que absorveu o modo pragmático de compreender o mundo, não está reconhecendo, na prática, a educação como um meio eficiente para o crescimento integral do país. Ela parece ser vista como artigo de luxo ou peça rara que só se apresenta nas mãos de uma minoria que luta demasiadamente por ela.

O imediatismo e a compreensão objetiva das relações de mercado somadas a uma estrutura individualista, portanto, corrupta em muitos espaços políticos geram uma educação de má qualidade na maioria dos espaços sociais. As escolas ideais, mesmo públicas, tornam-se raras e, infelizmente, exceções nesse ambiente de interesse, raras vezes, social.

São Pedro, em sua primeira carta, apresenta a pessoa de Jesus Cristo como esse paradigma de ser e viver para uma comunidade confusa. Ele O apresenta como uma “pedra angular” (1 Pd 2, 6), que dá sustentação a uma estrutura social permeada de caminhos variados.

O problema educacional não sai da esfera prática: a educação é vista como um “direito” a ser “dado” a todo cidadão. É esquecido o fato de que ela possui uma dimensão mais profunda do que sua qualidade objetiva. Enquanto ela não for vista com esperança, peça-chave, como possibilidade de evolução integral humana, será sempre esquecida por muitos.

Acrescenta São Pedro: “para vocês que acreditam, ela será tesouro precioso; mas, para os que não acreditam, [será] uma pedra de tropeço e uma rocha que faz cair” (1 Pd 2, 7s). Para alguns, apresentar aos homens um arcabouço de conhecimentos e fazer nascer neles uma capacidade de questionamento de si mesmo e do mundo que o envolve torna-se ameaçador.

E Jesus é o maior exemplo daquele que foi rejeitado por que sabia ir além das estruturas de mundo já pensadas. É nesse mesmo sentido que João o apresenta como caminho a ser assumido por todo homem.

Tomé, confuso com todos os caminhos que experimentava ao seu redor, questionava: “como podemos conhecer o caminho?” (Jo 14, 5). Ele não procura apensa o caminho “bom” ou “mais feliz”, mas “o” caminho para encontrar o sentido de sua existência. O Mestre responde não com conhecimentos teóricos, mas com autoridade: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14, 6).

Do mesmo modo, compreender uma educação apenas como um instrumento “capacitador” de profissionais para o mercado de trabalho é desviar-se do fato de que o homem é centro desse processo. O sentido da verdadeira educação está em colocar o indivíduo em posição de questionamento consigo mesmo e com um mundo a sua volta.

Jesus Cristo é ícone desse modo de ser e viver. Ele não queria bens, reinos ou agradar pessoas, mas apresentar ao homem o que o Pai pensava da criação: “Quem me viu, viu o Pai” (Jo 14, 9). É por isso que podemos chamá-lo de “pedra angular” ou simplesmente “caminho”.

Que nesse mês das mães, possamos ver em Maria aquele verdadeiro modelo de cuidado e manutenção da Palavra de Deus. No silêncio de uma vida cotidiana simples, aquela jovem soube educar o menino Jesus na proposta de obediência a Deus Pai. Com uma educação libertadora, seu filho soube compreender, isto é, “prender em si mesmo” o caminho, sendo, para outros, Verdade que gera Vida.

Cristo Porta – Homem Palavra

O mundo está cheio de autoridades, mas poucos pastores. A nossa comunidade e a cultura que a envolve é perita em formar personagens que o povo possa tomar como ícones. Esses ídolos são bons por suas habilidades e as pessoas os seguem porque falam expressivamente, escrevem didaticamente bem e utilizam de belos artifícios para conquistar o povo.

O ser humano precisa, de fato, de imagens, realidades que facilitem o nosso caminhar e realize as nossas metas de maneira objetiva. Tais imagens aperfeiçoam os nossos sentidos para que as realidades abstratas se tornem próximas. Entretanto, o problema das imagens fabricadas por nossa cultura é que suas qualidades também são construídas e falsamente moldadas pelos homens para conquistar outras pessoas.

O mundo está cheio de ídolos, mas o que ele está sedento mesmo é de pastores. A nossa cultura está cheia de autoridades que nos dizem, a toda hora, o que devemos fazer, o que comprar, em que acreditar, o que sentir... Muitos chefes, mas poucos pastores.

Precisamos de pastores que não digam o que fazer, mas que façam conosco, que não ordenem em que investir, mas que estejam ao nosso lado em todos os momentos. Não necessitamos de alguém que diga tudo o que devemos acreditar, mas que, ele mesmo, dê a prova de sua fé tem sentido e que ela é capaz de fazer dele um novo homem.

Cristo pode ser apresentado como um pastor autêntico, não porque só disse o certo e o errado, mas por ser o caminho que devia ser trilhado. A lógica do “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço” foi superada pelo “caminho” apresentado em si mesmo. O apóstolo Pedro foi um dos que primeiro perceberam essa coerência do Bom Pastor: “[...] Cristo sofreu por vós, deixou-vos um exemplo, a fim de que sigais os seus passos” (1 Pd 20, 21b).

Sim, Jesus é o paradigma de todo bom pastor pelo fato de que ele não somente corrige as ovelhas e dita o caminho que deve ser seguido, mas “caminha à sua frente, e as ovelhas o seguem, porque conhecem a sua voz” (Jo 10, 4). Ele não somente aponta a entrada para determinados projetos ou a saída para múltiplos conflitos, mas “é a porta” (cf. Jo 10, 9)

Todo ídolo ou autoridade que fundamenta a sua prática apenas em administrar pessoas, ditar caminhos, julgar ações, mas sua vida é distante da verdade pregada é “ladrão e assaltante” (Jo 10, 1). Só querem retirar do povo, extrair o que os outros podem trazer de objetivo, compreendem as pessoas apenas como instrumentos do benefício próprio ou, no máximo, em benefício da instituição política, religiosa ou financeiro-mercantil por ele direcionada.

Jesus foge a essa regra quando utiliza a imagem da porta para ilustrar o fato de que ele mesmo é o caminho através do qual todos podem passar, é ele o caminho para toda necessidade. O benefício que ele procura não é o próprio, muito menos em função de uma instituição. Ele possui a pessoa humana como fim de toda ação. Sua meta é que todos os homens “tenham vida e tenham em abundância” (Jo 10, 10).

Como Verbo de Deus, ou seja, Vontade Divina desejada para o homem, ele trilha sua vida para que as pessoas vissem o projeto de Deus: Criar o homem à sua imagem e semelhança.

Maria é o exemplo de ser humano que soube entrar na dinâmica do Cristo Porta. Nas bodas de Caná, ela pediu aos servos para “fazer tudo” o que Ele os dissesse. Ela mesma entrou na proposta da obediência à Palavra de Deus quando disse um sim e gerou o Homem- Palavra.

Que nós superemos a cultura das “palavras” e fixemos nosso olhar naquele que é a Palavra, ou seja, o Verbo, a ação querida por Deus para o homem. Ele não apenas apontou a via correta, condenou as mentiras ou apresentou as realidades de morte existentes, mas soube ser, com suas ações, o caminho, a verdade e a vida.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Onde ele vive?

“Se muito vale o já feito, mais vale o que será”

Elis Regina

A notícia mais comentada nesses últimos dias não é outra senão a morte do líder da Al Quaeda, Osama Bin Laden. O grande inimigo dos Estados Unidos, foi morto numa invasão cinematográfica em sua própria residência. Mas a história de anos de terrorismo mútuo, invasões e guerras, enfim, acabou?

No início da segunda-feira, o grande herói da história, o presidente Barack Obama, apareceu para levantar o seu troféu: “O terrorista está morto”. Depois de quase dez anos dos ataques da rede político-religiosa, liderada pelo inimigo do poderio ocidental, em edifícios norte americanos, a mídia e muitos dos que seguem a sua proposta parecem vibrar com esse acontecimento.

Nossa cultura, encabeçada pelos meios de comunicação social, poderes públicos e financeiros, encontrou mais um bode expiatório para justificar a nossa violência e projetar os nossos próprios terrorismos. A morte do líder da Al Quaeda parece ser a morte do todo o terrorismo existente. É esquecido, deste modo, que há uma violência muito mais ampla e que passa despercebida.

Se alguém entra em nossa casa e diz o que devemos e não devemos fazer, o que podemos ou não podemos comprar, em quê devemos acreditar, qual seria a nossa postura? E se essa pessoa começasse a querer mudar as nossas roupas e mobília, o que faríamos?

Terrorismo não nasce do nada, pela loucura ou perversidade de um homem. A revolta, justa ou não, violenta ou pacífica é resposta de um conflito já estabelecido. Se existe violência, terrorismo e conflitos, esses são estruturados em uma relação recíproca.

Precisamos aprender com a história, ver os fatos passados e crescer com eles. As antigas Cruzadas, as modernas Guerras Mundiais e as contemporâneas guerras “santas” ou “pela democracia”, devem nos ensinar que não existem líderes religiosos, autoridades políticas ou terroristas fanáticos responsáveis por mortes, mas sim, uma cultura de ambição, corrupção e intolerância que permeia muitos espaços sociais.

Os discípulos não ficaram, por toda a vida, olhando para trás, somente para a bonita vida de pregações, milagres, boas ações, mas também de traições e desgraças sofridas pelo Cristo. Eles, ao descobrirem um significado de todo aquele sofrimento e da morte de seu mestre, abriram os olhos e viram Jesus (cf. Lc 24, 31).

Jesus tinha apresentado um caminho e, não só isso, era o próprio caminho. Na última ceia apresentou a realidade do pão partido como modo de atualizar a sua presença no meio dos homens. Deste modo, as pessoas também deveriam seguir esse mistério: ser pão para que os outros tivessem vida e fossem alimentados com a doação de suas vidas.

Os discípulos reconheceram Jesus ao partir o pão (cf. Lc 24, 35). O mistério da ressurreição lhes foi revelado quando retomaram a proposta do mestre: partir o pão com quem eles nem conheciam. Eles reconheceram Jesus naquele estranho que ensinou a olhar para a história e reconhecer que tudo é necessário para o crescimento daqueles que acreditam na humanidade.

Maria é o grande exemplo de ser cristão. Quando estava ao lado da cruz ela comungava com a dor sofrida pelo seu Filho, ela era crucificada com ele. Por estar em pé, ela não se descabelava ou se revoltava por aquela situação. Pelo contrário, ela já contemplava a ressurreição do Filho do Homem.

A viúva que perdia injustamente o seu filho foi a primeira a compreender que é no alto da cruz, com os braços abertos para o sofrimento, que o homem se afirma como humano e que a dor não é vã para aqueles que aprendem com ela. Maria foi a primeira a olhar para frente e ver a glória do Homem Divino.

Aprendamos a olhar para a nossa história, não nos apegando às pessoas, realidades ou ações do passado, mas, sim, aprendendo a evoluir com elas. Terrorismo, não se acaba com terrorismo, guerra com guerra, negação com negação, é preciso olhar para a história.

Jesus nos ensina a fugir dessa lógica do “bateu-levou”. Aprendendo com o passando, podemos ver e agir no presente de forma nova. Só deste modo, podemos contemplar a glória que nos espera em um futuro que bate às nossas portas. Esse, só pede uma coisa: que nos abramos a um Deus que vive em nossa história.