domingo, 9 de maio de 2010

Chamados para a humanidade



Seguir o caminho que Deus propõe para as nossas vidas é uma questão de liberdade. Mesmo sabendo que a estrada que leva para a Vida Eterna se dá pelo acolhimento e prática de Sua palavra, diante do chamado de Deus podemos dizer sim ou não. E mais, mesmo no discernimento vocacional eclesial, diante dos diversos caminhos pelos quais eu posso servir ao Nosso Senhor, também devo assumi-los de modo livre.

Santo Agostinho (354-430) descreve o homem como a única criatura de Deus que é dotada de liberdade. Ele tem a possibilidade de se aproximar do seu Supremo Senhor por meio de sua Palavra Encarnada, seguindo os seus passos, mas também pode rejeitar a sua proposta trilhando outros caminhos que ele mesmo escolhe. Como Deus não pode entrar em contradição consigo mesmo – pois deixaria de ser Realidade Perfeita – o livre-arbítrio, que é dado ao homem, não pode receber interferência nem mesmo de Sua ação.

Porém, como Deus quer a salvação de todo o gênero humano, Ele envia seu único Filho que é, para nós, instrumento de redenção. Porém, até mesmo o mistério da encarnação se subordina ao homem. Se ele quer a felicidade para a sua vida, mas não segue a Palavra de Deus como caminho para a alegria eterna, não entra em comunhão com Deus, não conquistando o seu amor (cf. Jo 14, 23).

O pecado do homem não está somente em deixar de ouvir o chamado de Deus, mas principalmente no fato de querer ficar desviando-se do seu chamado primeiro. Deus não nos obriga a nada, mas pede que sejamos fiéis a nossa opção. Muitos são os caminhos que podem nos levar para Deus – e a Igreja nos apresenta vários –, mas a escolha de um deles implica o fato de que estamos deixando de lado muitos outros.

Jesus, porém, nos assegura: “A paz que eu dou para vocês não é a paz que o mundo dá” (Jo 14, 27). Muitos caminhos podem nos dar vida, felicidades, alegrias, mas em apenas um deles tudo isso é para sempre: em Jesus Cristo. Ele ensina que nossa vida tem um sentido, um chamado primeiro, uma felicidade perfeita, para descobri-los basta seguir os seus mandamentos.

Entretanto, ao decidir-se integralmente por Cristo, não podemos mais nos deixar questionar sobre outros caminhos, o barco já foi lançado ao mar. Entretanto, mesmo se descobrimos outra via que dá mais sentido para a nossa existência, a postura deve ser a mesma: “Olhos fixos em Jesus”. É nesse sentido que o caminho que queremos escolher para as nossas vidas deve ser bem estudado, refletido, à luz de um profundo diálogo com Deus. Só ele sabe o que é melhor para nossas vidas.

Porém, para aqueles que querem seguir o caminho da Vida Eterna, fica o recado: todos são chamados a ser como Jesus, plenamente homem. Todas as vocações de nossa Igreja, sacerdotal, religiosa, matrimonial, laica não pode ser confirmada se não passa pela construção de uma humanidade, pela constituição de verdadeiros homens – no sentido amplo e integral do termo – comprometidos primeiro com a sua santificação, com o amor ao outro e por meio da edificação do Reino de Deus.

O paradigma do amor


A mídia vem nos mostrando nesses dias o conflito sobre a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, estado do Pará. Os problemas gerados por causa de tal empreendimento vão desde a utilização de uma imensa área verde para a ocupação da água acumulada, fazendo desaparecer espécies de animais e plantas, até a necessidade de retiradas de nativos daquela região.

Mais do que uma questão de direitos e utilidades, esse problema deve nos fazer questionar: Há limites para a modernidade? O progresso científico, industrial e tecnológico deve ser regido por algum valor moral? Qual o fim de todas as ações humanas? O que é mais importante: crescimento material ou a afirmação do valor da vida humana? Quem está a serviço de quem?
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A ciência, com uma compreensão objetiva e racional da realidade, tende sempre a abraçar e manipular toda a sociedade segundo os seus princípios. Tudo isso faz com que os homens cheguem a um estágio de desenvolvimento nunca imaginado. Porém, esse progresso, além de ser limitado quanto ao número de beneficiados, também inverte a relação entre meios e fins.

A utilização de técnicas para o aperfeiçoamento das práticas sociais alcançou um nível tão grande que o homem, fim de toda essa utilização, passou a ser esquecido. O progresso torna-se alimento do próprio progresso. Estudamos para criar produtos que fomentam a geração de riquezas. Essas, por si, aumentam a possibilidade de extrair mais conhecimentos e bens do planeta, gerando mais avanços...

Esse ciclo poderia ser positivo desde que o homem não fosse esquecido como a meta desse movimento. Ao invés dele ser o fim de todas essas ações por meio da criação de um bem comum, transforma-se numa peça dessa produção de riquezas irrefletida. O ser humano passou a ser utilizado como meio para a conquista de progressos cada vez maiores, que têm como único fim a geração de mais riquezas.

Jesus Cristo, a cerca de dois mil anos apresentou um paradigma de relação social que parece ter sido esquecido em uma sociedade mais interessada no progresso humano do que no próprio humano: o amor. Não está a se falar no conceito de amor erótico que foi absolutizado em algumas concepções, mas no amor doação, que é recíproco, que quer ser amado, por isso doa-se, que não pode ser comprado ou vendido, trocado ou criado, mas entregue livremente.

As relações humanas ganham outro sentido com a proposta: “...amem uns aos outros. Assim como eu vos amei vocês devem amar uns aos outros” (Jo 13, 34). Qualquer prática social que não tem o amor pela humanidade e o bem do homem como fim, acaba por desviar-se dessa proposta.

Essa caridade pelo outro não é de fácil realização, exige luta, entrega e disposição integral do indivíduo que quer ver a pessoa humana como um outro-Eu, ou seja, como uma pessoa que também tem capacidades, necessidades e um valor que não pode ser negado.

Que Deus, por meio de sua Palavra Encarnada que renova todas as coisas (cf. Ap 21, 5), possa também nos fazer homens novos, sabendo ver o outro, não como objeto para o meu benefício, mas como alguém que é igual a mim: imagem e semelhança do Supremo Bem.

O novo Pastor


Neste Domingo do Bom Pastor somos convidados a refletir sobre nosso sacerdócio batismal que nos configura ao Cristo, Pastor de Nossa Igreja. Quase sempre que pensamos na imagem do Pastor queremos remetê-la à figura do sacerdote que cuida do povo. Esquecemos, com isso, que pelo batismo também nos tornamos sacerdotes e com uma função muito sublime: entregar a Deus o maior dos holocaustos que é a nossa vida em sacrifício.

O ato de pastorear não se resume à prática administrativa daquele que “possui” as ovelhas, mas também exige entrega, doação, sacrifício daquele que tem a pretensão de ver suas ovelhas com vida. Uma relação que seja somente objetivista torna as ovelhas também objetos de um interesse individual.

Jesus Cristo nos apresenta um novo modelo de pastor. Ele não é apenas o que governa, indiferente aos governados, mas é o Bom Pastor, aquele que ama as ovelhas. E por que ama, interage com elas dando-lhes um exemplo a seguir. Jesus, invertendo a prática dos fariseus e mestres da lei, não mais dita regras de vida, mas vive-as. E, vivendo-as, lança um sinal muito mais forte do que qualquer norma moral, porque confirma o seu valor e a felicidade de quem a pratica.

Jesus não fica atrás, empurrando as ovelhas e batendo com o cajado naquelas que, por instinto, saem de junto do rebanho. Mas segue a frente delas, guiando e fazendo com que elas sigam livremente os seus passos e façam com ele o caminho proposto por Deus.

É essa a mesma postura que Nosso Senhor propõe para aqueles que querem ser guias e sinal de salvação para a humanidade: “Eu te coloquei como luz para as nações, para que leves a salvação até os confins da terra” (At 13, 47). Ser luz, entretanto, significa indicar um caminho por si próprio, ou seja, dar um testemunho de vida que seja digno de imitação.

Essa luz, entretanto, doe aos olhos dos que estão acostumados somente a apontar a luz e pedir que os outros sigam. Tornar-se luz implica conversão àquele que é a verdadeira luz: Jesus Crist. Esse processo de aproximação exige aquela doação sacrifical do Cordeiro de Deus, exige entrega à mensagem e proposta de Jesus e ação daqueles que se convertem a essa Palavra.

Essa foi a indicação do Apocalipse de São João para aqueles que estavam em comunhão com Deus: “Esses são os que vieram da grande tribulação. Lavaram e alvejaram as suas roupas no sangue do Cordeiro” (Ap 7, 14). Se olhar para a luz já doe aos nossos olhos quanto mais ser luz. Mas outro caminho não há para os que querem uma salvação definitiva para as suas vidas. Se nossas concepções, posturas e ações se não estão “lavadas” no espírito de sacrifício, nada têm de redentoras e só vão ser fontes de bem-estar individual.

Que nos aprendamos o caminho dos apóstolos Paulo e Barnabé, que souberam conhecer, aproximar-se e configurar-se ao Cristo, Bom Pastor. Eles não foram pastores que protegiam os próprios interesses, mas sabiam guardar o rebanho que tinha sido a eles confiado, sendo guias eficazes de um caminho que certamente os levaria à perfeição comunitária.

Aprender a crescer


As recentes polêmicas sobre casos de pedofilia envolvendo alguns padres da Igreja Católica, não só do Brasil, mas em muitas regiões do mundo devem ser motivo de alegria para os que acreditam no Cristo que esteve morto e agora vive. Talvez esse seja o momento para que nós possamos aprender com os nossos erros e crescer por eles e com eles.

O filósofo alemão Friedrich Hegel (1770-1831) afirma que a história é dinâmica. Ela precisa de momentos de conflitos para que possa desenvolver-se, crescer e aperfeiçoar os seus membros. O que seria hoje da Igreja se não fossem as valiosas críticas de Martinho Lutero, as teses de Giordano Bruno ou de Galileu Galilei, entre tantos outros? Talvez menos humilde, menos aberta a possibilidade de crescimento e menos humana.

Foi essa a postura de Pedro ao querer pescar por conta própria (cf. Jo 21, 3), parecendo que tinha esquecido toda a proposta que o Cristo tinha feito, de ser “pescador de homens”. Somente ao ouvir e seguir a voz do Senhor indicando o modo de ser e agir diante de um problema, ele conseguiu êxito em seu conflito.

Entretanto, a sociedade parece insistir em querer dar a solução para essas questões da forma mais simplista possível, sempre retirando o problema de sua frente. A resposta para aqueles conflitos são continuamente reduzidas aos discursos sobre a exclusão total dos que cometem tais delitos, na eliminação do celibato sacerdotal ou uma “seleção” entre pessoas com distúrbios humano-afetivos e outras ditas “normais” para sacerdócio.

Tais posturas seriam somente paliativas para um problema que é estrutural. Estamos diante de uma sociedade pansexualista: podemos fazer tudo que desejamos, como quiser, a hora que queremos e quantas vezes tivermos vontade. Tais absurdos é fruto de uma cultura como essa, e se ficarmos somente “podando” esses galhos podres, muitos outros aparecerão.

Mais do que excluir tudo o que possa nos prejudicar, talvez esteja na hora de sentarmos para compreender essa realidade que está mais arraigada em nossa cultura do que pensamos. Não é o caso de fazer vista grossa, colocar a mão na cabeça de que erra ou passar por cima de dilemas que estão a séculos permeando as nossas relações, mas agir com racionalidade e certo grau de abertura ao que esses “gritos” sociais têm a nos dizer.

A atitude de Cristo ao ver que seu discípulo não estava assumindo a missão proposta por Ele foi pedagógica. Jesus chamou Pedro para Si e perguntou se ele o amava realmente. Todavia, esse amor não era somente ideal, imaginário ou emotivo, exigia um compromisso real com a Palavra de Deus, proposta concretamente em Nosso Senhor.

Que nós, portanto, possamos adquirir uma verdadeira preocupação por nossas comunidades, não se fechando em críticas inválidas e não construtivas perante escândalos sociais. Que todos os conflitos trazidos pelo homem em sua história pessoal não sejam reduzidos a pequenos empecilhos a serem afastados de nossa visão, mas que sejam efetivamente compreendidos e solucionados por meio da inteligência humana que tem a grandiosa capacidade de compreender um problema, criticá-lo e propor soluções racionais para ele.

Rezemos para que nossos sacerdotes adquiram uma verdadeira “tensão” pela construção do Reino de Deus por meio de um zelo pastoral pelas ovelhas que lhes são confiadas e que, mesmo humanos, possam se configurar sempre mais ao Cristo Bom Pastor.