quarta-feira, 29 de abril de 2009

Um novo rebanho

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Estamos a viver na era da globalização. O mundo parece diminuir na proposta de unificação de um progresso mundial. Espaços de conexão são estruturados. Somos transformados, nas palavras do sociólogo Boaventura de Souza Santos, em “cidadãos globais”.

No mundo virtual, são formadas redes de amigos que diminuem as distâncias da comunicação. Na economia, são constituídas redes de empresas que geram uma unidade do mercado financeiro. Todo o mundo tende a unificar-se no discurso da globalização.

Até mesmo os problemas locais tornam-se mundiais. Se uma grande potência entra em crise, em pouco tempo, todo o mundo sente, de diversos modos, os efeitos desse abalo, principalmente quando é econômico. Uma enfermidade que surge em uma parte do planeta, dependendo de sua intensidade, pode tornar-se uma pandemia, isto é, pode atingir todos os indivíduos do planeta.

Vemos, entretanto, uma globalização que não é global, isto é, um desenvolvimento que não atinge todas as pessoas da comunidade mundial. Entretanto, tenta-se criar uma visão de que temos que nos tornar “cidadãos desenvolvidos”, da era dos progressos tecnológicos, científicos e humanos, cidadãos globalizados.

Nesse sentido, é criada em nós uma mentalidade de massa, cidadãos com um mesmo modo de ser e agir, modos sempre descartáveis. São impostos aparelhos eletrônicos, músicas, modas e ídolos, que, semelhante às ondas, sempre passam, com o único objetivo de atender às exigências econômicas sociais. O indivíduo é desfigurado e perde sua individualidade.

É contra essa mentalidade de massa que surge a figura da sociedade orgânica proposta por São Paulo (Cf. 1 Cor 12, 12s; Col 1, 18). Como um corpo, que tem Cristo como cabeça, todas as pessoas contribuiriam, em seus modos de ser e viver, na diversidade de carismas, em favor do bem comum, como membros de um organismo.

Contrário à “vida de gado” criada pelos interesses econômicos que “marcam” as pessoas pelos interesses de um grupo, está o novo rebanho, guiado por Cristo, o bom Pastor. Ele está, não acima, mas à frente de suas ovelhas, já que fez-se semelhante a nós (Cf. Fl 2, 7; Hb 2, 17) e deu-nos um exemplo a seguir (Cf. 1 Pd 2, 21), guiando-nos para um único redil.

Sigamos, portanto, os passos do Bom Pastor, único e imperecível modelo, que aceita nossas diversidades e está sempre pronto a nos reconduzir a um único e verdadeiro caminho que leva à Suprema Perfeição, à santidade.

[Artigo Publicado no Jornal "A Folha", da Diocese de Caicó, ANO XXI, Nº 154, 02/05/2009]

Ressuscitar: Aproximar-se de Cristo

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O Cristo que aparece a nós após Sua morte e ressurreição mostra-nos algo digno de atenção. O renascimento, após o sofrimento e a morte, mais do que um fenômeno espiritual é uma promessa concreta, ou seja, é real. O Senhor aparece aos discípulos e mostra-lhes que não é um “fantasma”, mas o mesmo que estivera com eles antes do Seu sacrifício.


A proposta de um modelo de vida, dado por Jesus, iniciada pela humildade e simplicidade do nascimento na manjedoura, em uma simples família de Nazaré, no anúncio do Reino e no questionamento de uma realidade opressora, na superação das tentações, na entrega de Si mesmo, Cordeiro sem mancha, pelo sofrimento até a morte de Cruz só é confirmada pelo juramento da ressurreição. Jesus nos dá um modelo de ser e viver e esses são confirmados pela garantia do renascimento para uma nova vida.


A paz pronunciada pelo Cristo ressuscitado é o primeiro anúncio de que a promessa foi cumprida. Por isso, todos os sofrimentos, sacrifícios e mortes, quando aproximado ao mistério redentor de Jesus transformam-se em paz, em vida plena.


Porém, Nosso Senhor aparece a nós muitas vezes como um fantasma, somente com o homem de Nazaré que foi enviado por Deus para salvar a humanidade. Muitas vezes nos distanciamos do próprio Deus quando não assumimos Sua Palavra Viva, Jesus Cristo, quando não temos a coragem de aproximarmos d’Ele a tal ponto de sermos confundidos com Ele.


O contato com Jesus nos impulsiona a algo concreto: cumprir os Seus mandamentos. Seguir as propostas de Nosso Senhor não é um fardo porque ele mesmo deu testemunho da possibilidade de cumprir tais preceitos sendo homem como nós e dando-nos o exemplo que Ele mesmo seguiu. Por isso, o verdadeiro amor (que é a atração pelo que é amado) por Deus só é verdade quando nos aproximamos d’Ele e queremos ser confundidos com Ele. É nesse sentido que João nos propõe, sendo Cristo a Palavra Divina: “quem diz que está com Deus deve comportar-se como Jesus se comportou” (1 Jo 2, 6), e nos adverte: “Quem diz que conhece a Deus, mas não cumpre os Seus mandamentos, é mentiroso...” (1 Jo 2, 4).


Nesse sentido, a qualidade de cristãos é somente atribuída, não àqueles que admiram a pessoa de Jesus Cristo e suas ações, mas àqueles que se aproximam d’Ele ao ponto de tornar-se um novo Cristo, e melhor, um com Cristo.


O Deus-Homem está a nos propor um estilo de vida. Ele, como o perfeito profeta, que anuncia com a vida, nos dá um testemunho a ser seguido. A recompensa é algo querido por todos, uma vida nova, a verdadeira paz.


Para realizar a ressurreição de uma vida de morte é preciso fazer uma opção preferencial por Cristo, é ele o eixo norteador de toda a nossa ação evangelizadora. É a partir da pessoa de Jesus Cristo que somos convidados a ser anunciadores de um modelo de vida que leva à paz. Para ser portador de Cristo é preciso ser um verdadeiro Cristão, ou seja, é preciso imitar Jesus na simplicidade, no anúncio, no sofrimento e na morte, só assim chegaremos à plenitude da vida, à nossa santificação: Deus.
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[Artigo Publicado no Jornal "A Folha", da Diocese de Caicó, ANO XXI, Nº 153, 25/04/2009]

quinta-feira, 23 de abril de 2009

“Não me segure... Mas vai...”


A atitude de Cristo com Maria Madalena quando pediu que ela não o tocasse (Cf. Jo 20, 16s) é somente esclarecida com a repreensão feita a Tomé: “Felizes os que acreditaram sem ter visto” (Jo 20, 29). A contemplação do Cristo glorioso nos impele a uma ação de discipulado, de seguir os passos do mestre. Porém, quando queremos “abraçar” Deus com nossa limitada razão ou “tocá-lo” com nossos sentidos, recebemos a mesma censura: “Não me segure... Mas vai...” (Jo 20, 17).


Toda a ação humana que pretende “segurar” Deus dentro de conceitos é sempre falha. Ele, como Espírito Perfeito, é imaterial, isto é, não possui um corpo, e nunca pode ser compreendido ou tocado de forma completa. É por isso que a Suprema Perfeição não pode caber em imagens ou formas. Sempre que falamos de Deus com um conceito acabado ou em uma “fôrma”, estamos limitando aquele que é o Supremo Ser. Somos, portanto, chamados à contemplar Deus se deixando ser abraçados por Ele e não O retendo em nossos falhos sentidos ou em uma limitada racionalidade.


Todavia, além da contemplação do Deus glorioso ilimitado, a ressurreição requer uma atitude concreta: “Ide anunciar aos meus irmãos que se dirijam para a Galiléia. Lá eles me verão” (Mt. 28, 10). O voltar os olhos para a Galiléia é retomar as ações de Cristo. Por isso, o anúncio da boa notícia não é a proclamação do fenômeno da ressurreição após o fato da paixão e morte de Jesus, mas uma atualização de Seus gestos, Ele que está constantemente a nos pedir: “Segue-me”.


Nosso Senhor, quando retoma sua própria ordem e parte o pão, abre os olhos dos discípulos de Emaús (Cf. Lc. 24, 30s). A promessa “eles me verão” é cumprida quando cotidianamente retomamos a sua memória, seguindo-o.


Por outro lado, o gesto de tocar a chaga realizado por Tomé foi permitido por Jesus porque também somos chamados a participar do mistério da paixão, morte e ressurreição. Somos convocados à aproximar nossos sofrimentos e as feridas de nossos irmãos ao sofrimento de Nosso Senhor para que possamos participar de Sua páscoa, de uma nova vida.


É também feito a nós o convite de aproximação, mesmo que de forma imperfeita, do mistério do Cristo ressuscitado e também aprender com aqueles que testemunharam ou ainda testemunham, a cada dia, a ressurreição do Senhor em suas vidas. Para que o nascimento de uma nova vida ocorra é preciso voltar os olhos para a Galiléia e seguir os passos de Cristo, imitando-o.



O anúncio da ressurreição do Servo Sofredor, isto é, do evangelho (do grego ευαγγέλιον, euangelion: boa notícia), não está, por isso, limitado à palavras. A missão é a própria atualização das ações de Jesus em nosso dia-a-dia. Na união de nossos sofrimentos ao do Senhor e da morte de uma vida de pecado para um renascimento. Essa vida nova, em Cristo que é luz, se irradia por si mesma, sem a pretensão limitadora dos sentidos e da razão, isto é, das palavras. Anunciemos, portanto, o Cristo com nossas vidas, sendo verdadeiras testemunhas de sua paixão, morte e ressurreição.
[Artigo Publicado no Jornal "A Folha", da Diocese de Caicó, ANO XXI, Nº 152, 18/04/2009]

“Segue-me”


A viver a experiência da Semana Santa, Cristo convida-nos à imitá-lo. Nossa veneração à sua humildade, serviço, morte e ressurreição, quando não tornada atual, será sempre repreendida por Jesus. O Senhor, ao ver as mulheres lamentando-se pelo Seu sofrimento, as repreendeu: “Não chorem por mim! Chorem por vocês mesmas e por seus filhos!”(Lc 23, 28).


Todo sofrimento de Jesus é o reflexo de nossos pecados. Para salvar-nos, Deus uniu a necessidade da justiça na punição de nossas culpas e o Seu amor por nós. Para isso, virou-se contra Si mesmo, entregando-se em sacrifício, salvando-nos (Cf. DCE 10).


Se Cristo, Árvore da Vida, sofreu daquele modo, que merecemos nós, “galhos secos”? (Lc 23, 31). Como primeiros responsáveis pelo sofrimento daquele que “foi feito pecado por nós” (II Cor 5, 21), somos também chamados a participar do mistério da salvação e sua atualização em nossas vidas.


Quando o Senhor entra em Jerusalém, dá-nos um sinal de humildade. Ele não realiza nossos desejos de glória, mas, propõe-nos a entrega de si pelo esvaziamento de nossas vontades na entrega ao plano divino e a simplicidade de vida como modelo para a “Vida Eterna”.


Ao lavar os pés dos discípulos, somos alertados que o sacerdócio comum, ao qual participamos por meio do batismo, impele-nos ao serviço. O Senhor quebra e inverte a hierarquia de poderes quando afirma que “o maior dentre vós deve ser aquele que serve” (Mt 23, 11). O próprio Deus que é Rei de toda a criação afirma que veio “não veio para ser servido, mas para servir” (Mt 20, 28). E nós, criaturas?


Na instituição da Eucaristia, Jesus nos ordena: “Fazei isto em memória de Mim” (Lc 22, 19). Somos também levados a nos transformar a cada dia em Eucaristia, pão da vida, na entrega, no serviço aos irmãos. Quando isso não ocorre, ele não se encarna e repreende-nos novamente a olhar nossas vidas. E nós? Entramos em comunhão com Deus nessa doação em sacrifício pelo outro?


A paixão é o que mais aproxima-nos do Servo Sofredor. Mas, se o nosso sofrimento cotidiano não for conformado ao de Cristo, nunca tomaremos nossa cruz para segui-lo. Somente associando o nosso sofrimento ao de Nosso Senhor, é que participaremos de Sua ação redentora. Só assim, chegaremos a promessa do Deus Fiel, a ressurreição, a plenitude da vida.


A morte não é o ápice, mas a via necessária para a ressurreição. É a nós pedida uma morte, com Cristo, para ressurgirmos com Ele. Somos chamados a morrer anualmente, associando-se ao mistério pascal. Somos convidados a morrer cotidianamente em um aperfeiçoamento constante de vida. É a nós proposta uma morte em cada falta cometida, arrependendo-se, levantando-se, tomando a cruz e seguindo-Lhe.


A Vida Perfeita, o ressurgimento da morte, deixa de ser uma promessa e passa a uma conseqüência necessária. Somente quando seguimos e participamos das propostas de Cristo, chegaremos ao Seu fim: a ressurreição, uma nova vida. Pois como bem nos diz o Apóstolo: “Se alguém está em Cristo, é nova criatura” (II Cor 5, 17).


Para que vejamos Jesus vivo em nossa humanidade, devemos ouvir a voz do anjo ao ser encontrado vazio o túmulo: “Vocês devem ir e dizer aos discípulos e a Pedro que Ele vai para a Galiléia na frente de vocês” (Mc 16, 7). Jesus se faz presença viva toda vez que Suas obras são retomadas e assumidas por nós.


O Senhor está constantemente a nos pedir: “Segue-me” (Mt 16, 24; Mc 8, 34; Lc 9, 23). Pois, como ele mesmo nos confirma: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14, 6). Ninguém chega à ressurreição senão em Cristo. Somente seguindo e atualizando toda a ação redentora apresentada, não somente no mistério da Páscoa, mas em toda a vida de Jesus, poderemos anunciar verdadeiramente:


“CRISTO VIVE!”



[Artigo Publicado no Jornal "A Folha", da Diocese de Caicó, ANO XXI, Edição Especial, 11/04/2009]

domingo, 5 de abril de 2009

Como Cristo, esvaziemo-nos



No Domingo de Ramos, a Igreja nos convida a olhar nosso Senhor que entra em Jerusalém de um modo inesperado. Jesus, como queriam os judeus, não invadiu a cidade montado em um cavalo com espada na mão para libertar o povo da opressão. Ele entra na simplicidade, confirma que sua glória viria pelo dom da entrega de Si sob a obediência aos planos da Divina Providência. Deus não entra onde reinam os nossos planos.

Para que Deus possa preencher a nossa vida precisamos de uma kénosis, um esvaziamento de si mesmo. Somente, com a quebra dos ídolos da inveja, do orgulho, da soberba, é que Deus pode habitar em nossas vidas. A Suprema Perfeição não aceita divisões, pois Ele “é um Deus ciumento” (Ex 20, 5) e não pode habitar com o pecado.

Livres de nossos desejos e qualidades que nos afastam de Deus, podemos estar abertos à Sua ação que também se manifesta pelo outro. Por isso, aceitemos, de início, a exortação do Apóstolo: “não desprezem as profecias; examinem tudo e fiquem com o que é bom”. (I Ts 5, 21). Saibamos aprender com os outros. Eles, como imagem de Deus, sempre têm algo a nos ensinar, já que “tudo concorre para o bem dos que buscam a Deus” (Rm 8, 28). Os bons e os maus testemunhos sempre nos ensinam algo, fazendo-nos crescer.

Esvaziados do nós mesmos, mas repletos de Deus, poderemos agir em Seu nome. A exemplo do Cristo que “esvaziou-se de Sua Glória” (Fl 2, 7) tornando-se homem, e que também esvaziou-se das vontades humanas para obedecer ao Plano Divino, deixemo-nos modelar por Deus, agindo em Seu nome. Sejamos instrumentos d’Ele. A viver sob a orientação dos planos de Deus daremos testemunho de Sua ação em nós, santificando também os outros.

O Deus-Filho esvazia-se de sua realeza e, encarnando-se, resgata novamente a humanidade confirmando o seu valor e sua excelência na criação. Nós também somos chamados a essa kénosis para deixar-se modelar pela providência Divina. Essa se manifesta não somente por fenômenos extraordinários, mas principalmente pela ação constante de Deus na história humana, na Sua graça que fortalece nossa luta permanente contra o pecado. Não é negando nossa humanidade ou procurando Deus fora de nossa natureza e de nossa história que construiremos uma santidade, já que negando a criatura, negamos seu criador.

Nossa “divinização” será construída quando assumirmos os verdadeiros valores humanos, que é o agir como Cristo em nome de Deus. No testemunho que temos a dar aos nossos irmãos nada será nosso, tudo será reflexo da ação divina em nós. Como afirma Cristo: “Se eu der testemunho de mim mesmo, meu testemunho não vale” (Jo 5, 31), mas o verdadeiro testemunho está com “as obras que o Pai me concede realizar” (Jo 5, 36), somente agindo vazios de si e em nome do Pai caminharemos em busca da Verdade e da Vida.

Somos, portanto, convidados a deixar de lado aquilo que afasta nossa humanidade da imagem de Deus, e buscar essa semelhança através do chamado primeiro à vida por meio de nossa inteligência. Quando negamos esses princípios, criamos novos ídolos, não permitindo que haja o duplo encontro: eu em Deus que é a santidade e Deus em mim por meio daquele esvaziamento de nossas próprias vontades.

Deixemo-nos ser educados pelo Deus Pai que nos dá Cristo como modelo de servo obediente e sofredor. Jesus que se tornou santo pelo esvaziamento de Si, conquistou, assim, a plenitude da vida, a ressurreição dos mortos. Cristo está para entrar em Jerusalém, mas essa ação, muitas vezes, não agrada aos nossos planos. Aceitemos, por isso, que Jesus entre em nossas vidas livrando-se de nossos planos, gerando em nós um espírito de humildade na abertura ao que o outro tem a nos ensinar.
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[Artigo Publicado no Jornal "A Folha", da Diocese de Caicó, ANO XXI, Nº 151, 04/04/2009]