domingo, 5 de abril de 2009

Como Cristo, esvaziemo-nos



No Domingo de Ramos, a Igreja nos convida a olhar nosso Senhor que entra em Jerusalém de um modo inesperado. Jesus, como queriam os judeus, não invadiu a cidade montado em um cavalo com espada na mão para libertar o povo da opressão. Ele entra na simplicidade, confirma que sua glória viria pelo dom da entrega de Si sob a obediência aos planos da Divina Providência. Deus não entra onde reinam os nossos planos.

Para que Deus possa preencher a nossa vida precisamos de uma kénosis, um esvaziamento de si mesmo. Somente, com a quebra dos ídolos da inveja, do orgulho, da soberba, é que Deus pode habitar em nossas vidas. A Suprema Perfeição não aceita divisões, pois Ele “é um Deus ciumento” (Ex 20, 5) e não pode habitar com o pecado.

Livres de nossos desejos e qualidades que nos afastam de Deus, podemos estar abertos à Sua ação que também se manifesta pelo outro. Por isso, aceitemos, de início, a exortação do Apóstolo: “não desprezem as profecias; examinem tudo e fiquem com o que é bom”. (I Ts 5, 21). Saibamos aprender com os outros. Eles, como imagem de Deus, sempre têm algo a nos ensinar, já que “tudo concorre para o bem dos que buscam a Deus” (Rm 8, 28). Os bons e os maus testemunhos sempre nos ensinam algo, fazendo-nos crescer.

Esvaziados do nós mesmos, mas repletos de Deus, poderemos agir em Seu nome. A exemplo do Cristo que “esvaziou-se de Sua Glória” (Fl 2, 7) tornando-se homem, e que também esvaziou-se das vontades humanas para obedecer ao Plano Divino, deixemo-nos modelar por Deus, agindo em Seu nome. Sejamos instrumentos d’Ele. A viver sob a orientação dos planos de Deus daremos testemunho de Sua ação em nós, santificando também os outros.

O Deus-Filho esvazia-se de sua realeza e, encarnando-se, resgata novamente a humanidade confirmando o seu valor e sua excelência na criação. Nós também somos chamados a essa kénosis para deixar-se modelar pela providência Divina. Essa se manifesta não somente por fenômenos extraordinários, mas principalmente pela ação constante de Deus na história humana, na Sua graça que fortalece nossa luta permanente contra o pecado. Não é negando nossa humanidade ou procurando Deus fora de nossa natureza e de nossa história que construiremos uma santidade, já que negando a criatura, negamos seu criador.

Nossa “divinização” será construída quando assumirmos os verdadeiros valores humanos, que é o agir como Cristo em nome de Deus. No testemunho que temos a dar aos nossos irmãos nada será nosso, tudo será reflexo da ação divina em nós. Como afirma Cristo: “Se eu der testemunho de mim mesmo, meu testemunho não vale” (Jo 5, 31), mas o verdadeiro testemunho está com “as obras que o Pai me concede realizar” (Jo 5, 36), somente agindo vazios de si e em nome do Pai caminharemos em busca da Verdade e da Vida.

Somos, portanto, convidados a deixar de lado aquilo que afasta nossa humanidade da imagem de Deus, e buscar essa semelhança através do chamado primeiro à vida por meio de nossa inteligência. Quando negamos esses princípios, criamos novos ídolos, não permitindo que haja o duplo encontro: eu em Deus que é a santidade e Deus em mim por meio daquele esvaziamento de nossas próprias vontades.

Deixemo-nos ser educados pelo Deus Pai que nos dá Cristo como modelo de servo obediente e sofredor. Jesus que se tornou santo pelo esvaziamento de Si, conquistou, assim, a plenitude da vida, a ressurreição dos mortos. Cristo está para entrar em Jerusalém, mas essa ação, muitas vezes, não agrada aos nossos planos. Aceitemos, por isso, que Jesus entre em nossas vidas livrando-se de nossos planos, gerando em nós um espírito de humildade na abertura ao que o outro tem a nos ensinar.
.
.
[Artigo Publicado no Jornal "A Folha", da Diocese de Caicó, ANO XXI, Nº 151, 04/04/2009]

Nenhum comentário:

Postar um comentário