sábado, 4 de dezembro de 2010

Ir às raízes

“A minha alma está armada e apontada para a cara do sossego. Pois, paz sem voz não é paz, é medo.”
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O conflito que vimos se ampliar no Rio de Janeiro, no Complexo do Alemão, foi reflexo de uma problemática muito mais ampla do que imaginamos. Não estávamos somente diante de um conflito entre soldados e traficantes ou heróis e bandidos, mas diante de um mundo da vida fundado na injustiça e no privilégio de poucos.
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Ao lançar um grande número de soldados naquelas favelas, o Estado e os que o apoiavam estavam como que somente a remexerem em um grande entulho. Entretanto, não se levava em conta que tráfico, assassinato, roubo e seqüestro são apenas a ponta de um iceberg, de um problema que encobre mais do que demonstra.
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A invasão pode ter sido um sucesso. Todos os procurados podem ter sido descobertos, mas isso não representaria a solução dos atuais conflitos sociais.
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A música A paz que eu não quero, composta por Marcelo Yuca, critica uma paz que é construída sobre o silêncio de muitos. Uma tranqüilidade que construída sem a análise aprofundada dos conflitos, somente pela força das armas de uns mais fortes “não é paz, é medo”. O homem, e nós cristãos, principalmente, não podemos aceitar uma paz construída com armas, é preciso ir além, ir às raízes.
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Invadir, prender, calar e matar, são, de fato, soluções mais práticas, mais fáceis, mas solucionaria tal problemática? Se todos os marginais fossem isolados da sociedade, teríamos, realmente construído a paz que tanto desejamos para o nosso mundo e para a nossa vida? João Batista, ao olhar para o mundo em que vivia, profetizava: “O machado já está na raiz das árvores, e toda árvore que não der bom fruto será cortada e jogada no fogo” (Mt 3, 10). Se ficamos retirando da sociedade somente os frutos ruins e não formos à raiz de sua organização para verificar o porquê de tanta barbárie social, correremos o risco de perder os frutos que ainda permanecem intactos.

O que leva um homem a comercializar drogas ou a se drogar? Ou a retirar os bens de outros? O que impulsiona um indivíduo a, diante de um semelhante, retirar-lhe a vida? Que raízes alimentam esses frutos? Isolá-los ou eliminá-los seria a resposta? O que podemos fazer ainda com essa árvore? Podá-la ou replantá-la? Ela precisa ser mesmo totalmente lançada ao fogo?
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É preciso, portanto, rever nossos conceitos de justiça e paz social. Punir quem inflige a lei é sempre mais fácil do que rever as bases que fomentam uma estrutura comunitária. Silenciar com armas e leis um problema é muito mais fácil do que revertê-lo, por que dá mais trabalho e requer o interesse de reverter algumas posturas e compreensões de mundo que podemos não estar dispostos a mudar.
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Podemos ter a certeza de que esse problema pode ser silenciado, e o foi, segundo as ações que foram desenvolvidas naquele local. Mas devemos lembrar que um silenciar é diferente de um solucionar, pois o ato de encobrir um conflito e esquecê-lo temporariamente representa o ato de colocá-lo sob panos quentes . Porém, quando esses esfriam, o que estava escondido volta com muito mais força e poder de dano.
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Para construir a paz que queremos é preciso ir às raízes, não silenciar, pois “paz sem voz não é paz, e medo”.

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