quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Negar-se para ser




Nos últimos dias, os meios de comunicação denunciaram o caso do roubo das provas do ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio, que seria aplicado em todo território nacional no último fim de semana. Mais do que responsabilizar essa ou aquela pessoa, devemos refletir sobre o que está por trás desse ato. O que levou alguém a praticar tal crime? Quais interesses estavam – e ainda estão em jogo?

Outro caso chamou a atenção aos de ouvidos atentos. No domingo passado, um político, sendo entrevistado por uma repórter de um programa humorístico, em um canal aberto, deixou escapar um pensamento que, por mais que esteja se fixando na cabeça de muitos de nossos jovens, não educa ninguém e não constrói cidadãos comprometidos e responsáveis pela sociedade. Disse a autoridade política: “Quem não cola, não sai da escola”.

Muitos de nossos sonhos, que tem como fim último a construção de nossa felicidade, são projetados sobre falsos valores ou concepções. Queremos uma boa formação, um emprego estável e um ótimo salário e esquecemos de que tudo isso não se realiza em passe de mágica. Todas as coisas que o homem quer para si não se constrói a não ser por meio de sacrifícios, conflitos e renúncias.
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O jovem rico que procurou Jesus tinha o desejo que é comum a todos os homens: a vida eterna (cf. Mc 10, 19s). Ele estava buscando a vida feliz que todos procuram, mesmo que alguns busquem-na de modo equivocado. Mesmo cumprindo todos os preceitos sociorreligiosos, o jovem sabia que aquilo não o faria feliz. Insistindo na pergunta, ele recebe uma resposta que tinha dificuldades de ouvir e abraçar: “vai, vende o que tens, dá aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me” (Mc 10, 2).

Muitas vezes, só queremos fazer o que é bom e prazeroso para nós. Desviamos, do caminho da vida feliz quando esquecemos que toda construção passa pela renúncia de muitos de nossos desejos, para a escuta dos projetos divinos.

O mesmo caminho seguiu o rei Salomão. Ele não desejou um grande império, grandes riquezas, nem muitas terras. Salomão pediu a Deus somente a sabedoria. Toda a sua felicidade seria construída por meio de uma luta árdua, tendo sempre a sabedoria de Deus como norte para sua realização. Ela, que tudo conhece (cf. Hb 4, 13), sabe os nossos interesses, conhece o que é melhor para nós.

Como próprio afirma Salomão no livro da Sabedoria: “Com ela [a Sabedoria], me vieram todos os bens de suas mãos, riqueza incalculável (7, 11). Cumpre-se, assim a promessa do Cristo, quando nos impele: “[...]em primeiro lugar busquem o Reino de Deus e a sua justiça, e Deus dará a vocês, em acréscimo, todas essas coisas” (Mt 6, 33). Riqueza, conhecimento e virtudes devem ser utilizadas somente como meios, tendo-se a construção de uma vida feliz como o único objetivo de nossas ações.

Quando fixamos nosso olhar na edificação de nossa santidade e na construção do Reino de Deus como único fim de nossas ações, todas as coisas que necessitamos nos são dadas gratuitamente.

O furto das provas do ENEM ou o pensamento do político sobre a postura do aluno na escola refletem, entretanto, um ideal conformista. Projetamos muitos sonhos, mas não queremos construí-los. Não se quer mais estudar ou trabalhar para a edificação de um ideal. Pelo contrário, queremos que tudo esteja em nossas mãos, pronto e acabado.

Quem não tem coragem de se sacrificar ou renunciar certos valores ou desejos, despojando-se de si mesmo em função do serviço ao próximo, dificilmente consegue seguir os passos da pessoa de Cristo. Nesse sentido, se está afastando o Reino dos Céus, isto é, a comunhão com a realidade de suprema alegria que é Deus.

Que nós tenhamos a consciência e a coragem de pedir somente uma coisa para a construção de nossa vida em plenitude: a sabedoria divina. Através dela, nós temos forças e ânimo para enfrentar os sacrifícios e abnegações, sendo os principais agentes da formação de nossa santidade e da construção paulatina e efetiva do Reino dos Céus.

[Artigo Publicado no Jornal "A Folha", da Diocese de Caicó, ANO XXI, Nº 176, 10/10/2009]

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