quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

A Igreja é Uma


Sempre que nos deparamos com imagens, gestos e anúncios do atual papa, Bento XVI, a exemplo do recente Motu Próprio sobre a liberação da missa no rito tridentino, suas constantes aparições com paramentos tradicionais, ouvimos comentários sobre uma “volta” da Igreja à época de uma “Igreja Tridentina”, já ultrapassada. Estaria mesmo a Igreja Católica voltando a um “antes-vaticano II”?

O papa, na verdade, com tais gestos assume seu caráter de verdadeiro pastor, que deixa as noventa e nove ovelhas para buscar a perdida, a que estava distante do redil (Cf. Mt 18, 12). Com tais gestos o Sumo Pontífice chama os católicos que não estavam em comunhão plena com a Igreja desde o Concílio Vaticano II, e a retornarem, participando plenamente da Igreja Universal.

Assim como Cristo, a Igreja é encarnada no mundo, como nos fala a Constituição Dogmática, “Lúmen Getium”, n. 8: “Não é, por isso, criar uma analogia inconsistente comparar a Igreja ao mistério da encarnação”. Todas as ações da Igreja durante sua história partiram de realidades contextuais, foram frutos de conjunturas históricas especificas, fazendo-a dar uma resposta à essas realidades, encarnando-se e agindo para o desenvolvimento do corpo místico de Cristo (Cf. LG, n. 7).

Todos os concílios da Igreja são exemplos dessa encarnação na realidade para dar uma resposta a essa mesma, como o Concilio de Jerusalém, que fez cumprir o mandamento de Cristo de expandir a sua palavra a todos os povos (Cf. Mt 28, 19). Temos o forte exemplo do Concílio de Trento, onde a estrutura da Igreja naquele tempo começou a ser questionada, sua estrutura eclesial e dogmática estava sendo contestada. A igreja, com isso firmou-se e confirmou a sua doutrina e toda a sua fé, mas também soube mudar nos aspectos que eram necessários. Sua tradição e o seu modo de falar à sociedade foram próprios de um contexto e possuíam seu valor e sua riqueza, estavam fundamentados em certezas e desejos de uma época.

Já recentemente tivemos, em um desenvolvimento da Igreja, o Concílio Vaticano II. Diferentemente do contexto de conspirações e revoltas de Trento, o Vaticano II retoma o mandamento de Cristo abrindo as portas para o crescimento da Igreja, onde sua ação evangelizadora voltava-se para os fiéis. Houve com isso uma adaptação a um novo contexto histórico e social, o mundo mudou com a secularização de sua estrutura social, porém a Igreja não o acompanhou secularizando-se também, mas adaptando-se à nova realidade e aos novos modos de atender ao mandamento de expansão, ela repensou o modo de chegar ao seu rebanho.

Diferentemente do período marcado pela reforma protestante, quando o povo ainda estava envolto por um ar de “religiosidade” e a Igreja apenas confirmou a sua doutrina, firmando-se em seu período, o Concílio Vaticano II surgiu em um tempo onde os valores religiosos e o próprio Deus estavam sendo questionados. Com isso, a Igreja sentiu a necessidade de dar uma nova resposta ao mundo, mudando o modo dese relacionar com a própria comunidade e seu rebanho.

Vemos com isso que a Igreja sempre foi única, mas, assumindo seu caráter de esposa do Verbo Encarnando, também encarnou-se no seu contexto dando diversas respostas às diversas realidades. Mesmo nessa diversidade ela é a mesma, hoje e sempre. Sempre deu passos em busca de uma perfeição, nunca esquecendo sua história.

Por isso, não há quebra em cada um dos concílios, mas somente um novo modo de pensar o mundo e constituir a missão salvífica que cabe à Igreja em nome de Cristo. Não há uma Igreja “pré-concílio” ou “pós-concílio”, de Pio V ou João XXIII, de Pio X ou João Paulo II, “de Paulo, Apoio ou Pedro, mas de Cristo” (Cf. 1 Cor 1, 10-16).

A Igreja não constrói a sua história de modo que os fatos anteriores sejam esquecidos por uma superioridade da nova mudança, como que em uma luta de opostos. Não há, com isso, um “progresso” ou “regresso” na Igreja, pois ela constitui-se em processo de ascensão. Pensar em um regresso seria prescindir tudo o que já foi constituído, seria impensável se voltar atrás em um processo histórico. Não houve Vaticano II sem uma história que lhe precedeu e o tenha formado. Cada fase na história da Igreja teve suas contribuições e ficarão marcadas sempre, mas lembremos que ela está tendendo para a Perfeição, não há um voltar e esquecer tudo o que já está edificado.

Portanto, não há “Igreja deTrento”, ou “Igreja do Vaticano II”, pois “Todo o reino dividido em grupos que lutam entre si será arruinado” (Mt 12, 25). E não há progresso ou regresso, ela não caminha e cresce lineamente, mas constrói-se, ascendendo para uma perfeição.

Há, portanto “um só Senhor, uma só fé, um só batismo” (Ef 4, 5s). Há uma só igreja que caminha para uma plena sabedoria e uma Luz perfeita: Deus. O modo de chegar a Ele não é por Pio X, João XXIII ou João Paulo II, mas por Cristo. Evidente que em diversos estilos de vida e carismas (LG n. 18; 32; 35; 44), em diversas espiritualidades, só há um modo de chegar á Eterna Perfeição, pelo mesmo Cristo, sofredor, humilde e servo.

“Todos vós sois um, em Cristo Jesus” (Gl 3, 28)


[Artigo Publicado no Jornal "A Folha", da Diocese de Caicó, ANO XXI, Nº 127, 23/08/2008]

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