quinta-feira, 21 de outubro de 2010

O grande abismo

As eleições são consideradas a grande festa da democracia. O povo, a partir de um pequeno gesto torna-se capaz de eleger aqueles que nortearão as ações políticas do país por um considerável período de tempo. Entretanto, o próprio termo democracia, que significa governo do povo, nesse mesmo processo, pode ser questionado.

Será mesmo que estamos elegendo homens que nos representarão nos espaços de discussão política? Eles defenderão a causa do povo que representam? Estão mesmo destinados a deixar o seu tempo e o seu bem estar para doar-se à causa de pessoas que nunca viram na vida ou para lutar por seus direitos?

O sociólogo Boaventura de Souza Santos afirma que vivemos em uma democracia que não é democrática. Ele critica a postura de representantes que não representam o povo. Questiona a ação de legisladores que não legislam e de juízes que não são justos. Por isso afirma: “Precisamos democratizar a democracia”. Precisamos de pessoas que estejam interessadas no homem e nos seus direitos para a administração da nação.

Santo Agostinho apresenta esses problemas com a imagem dos pastores que apascentam a si mesmos. Suas funções perdem o sentido por que deixam de ser um serviço ao povo para defender um benefício particular. Em uma luta irreal pela sobrevivência, queremos defender o nosso bem estar e esquecemos que existem pessoas que estão a padecer por causa disso. O que é suficiente ou sobra em um é sinal de que está faltando em outros.

A figura evangélica do rico que pede a Moisés uma ajuda para que o pobre Lázaro saciasse a sua sede, e que lhe é negada (cf. Lc 16, 24ss), apresenta a conseqüência de quem se distancia do outro para a busca de seu próprio bem estar. Havia, de fato, um “grande abismo” (Lc 16, 26) entre o pobre e o rico, antes e depois da morte. O primeiro era motivado pelo rico que negava ao outro os bens que possuía em excesso, o segundo foi também motivado por esse, só que acabando sua vida só, sentiu a necessidade de saciar-se com a presença do outro, que lhe estava sendo negada por sua opção inicial.

O filósofo alemão, ainda vivo, Jürgen Habermas afirma que em uma sociedade que esse tipo de características são marcantes nos seus cidadãos, a saída necessária se encontra na inclusão do outro nas relações sociais. Saber que minha vida não se desenvolve de forma isolada, que precisamos do outro para o nosso crescimento humano, ético e político, deve ser a compreensão mais humana diante dessa problemática.

Faz-se necessário considerar o outro como participante necessário dos processos de organização social. Não podemos somente “proteger” quem mais precisa, “defender” o direito dos necessitamos, “representar” aqueles que têm menos voz. O que se faz necessário é deixar que eles participem do processo de organização política, deixar que eles falem a suas necessidades e suas propostas de superação desses conflitos.

É realizar o que Habermas denominou de agir comunicativo, onde as interações sociais se realizam quando todos os membros da comunidade têm o mesmo direito de expressão de opinião e sugestões políticas.

Que nós também possamos superar a criação desse abismo social que se forma gradativamente em nossas comunidades. Para isso é preciso compreender que vivemos em sociedade, temos um pacto de proteção mútua, à exemplo do corpo, onde se um adoece todos os outros membros também são prejudicados. Deixar que todos os outros participem efetivamente da organização político-social de nosso contexto é o caminho mais curto para diminuir esse abismo humano que nossa individualidade irracional cria.

Maria é o maior exemplo desse despojamento em favor do outro. Ela soube deixar que sua vida fosse permeada por uma ação que contribuiria para a salvação de todos os homens. A jovem de Nazaré foi capaz de negar-se a si mesma para ajudar a humanidade a crescer, soube deixar de lado sua individualidade para sentir-se mais humana afirmando-se participante de uma comum-unidade.

Afirmando a comunidade humana, ela afirma o homem em si, com todo o seu valor e sua potencialidade. Afirmando o valor do homem, Maria consegue gerar aquele que foi, da humanidade, a plenitude, a perfeição.

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