quinta-feira, 21 de outubro de 2010

O mistério do outro


A imagem bíblica da construção de um bezerro de metal fundido feito pelo povo que estava vagando pelo deserto (cf. Ex 32, 8) é reflexo de uma postura que repetimos constantemente. Temos a fantástica capacidade de criar, em um piscar de olhos, deuses ou demônios.

Ao olhar para os outros, queremos logo lançar conceitos prévios sobre eles, colocamos todo o nosso “ouro”: conhecimentos, habilidades e pré-juízos, para montar uma imagem positiva ou negativa das pessoas. Ele passa a não ter mais um valor em si, mas ser somente o reflexo de nossas idéias e cogitações.

Isso geralmente ocorre porque temos um raciocínio tão lógico perante o outro que acabamos por esquecer que estamos nos relacionado com homens, com histórias de vida, com seres tão complexos e que não podem ser compreendidos por um julgamento limitado. Esquecemos que por trás de cada ação, mínima que seja, há uma estrutura social, histórica, econômica e biológica envolvente, não existindo ações isoladas ou fonte de um querer independente.

O problema do julgamento amplia-se porque está associado à condenações: “Ele deve ser punido”, “Aquele vai para o inferno”, “Este terá o castigo que merece”. Gostamos de nos posicionar acima da pessoa que erra para proclamar a sua falha, como se fôssemos capazes de explicar também a situação em que ela se encontrava para praticar tal equívoco.

São Paulo compreendeu bem a proposta de Cristo de salvação do homem por meio de seu pecado. Ele, na carta a Timóteo, escreve que seu perdão foi dado por que ele “agia sem saber, longe da fé” (1 Tm 1, 13). O equívoco humano, pode ser realizado por ignorância, por situações biológicas, psicológicas ou espirituais, realidades que nossa racionalidade não pode perscrutar de forma tão fácil e imediata.

É diante disso que o Apóstolo proclama: “Jesus Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores” (1 Tm 1, 15) e o próprio Senhor, pelas palavras de Lucas, afirma que “haverá no céu mais alegria por um pecador que se converte do que por noventa e nove justos que não precisam de conversão” (Lc 15, 7). Deus não está a nos condenar constantemente porque ele vai além de uma correção unidirecional, “bateu-levou”, ele sabe nos ver de forma mais ampla e localiza nossas ações segundo os seus critérios de salvação.

O exemplo do filho pródigo que se levanta para pedir perdão ao seu pai pelo erro de ter se distanciado de sua proteção, seguido pela acolhida amorosa peterna (Lc 15, 21ss) é o reflexo de um Pai que sabe ver a inexperiência de seus filhos e abraça-os incondicionalmente, perdoando-os.

Saber ter um olhar mais misericordioso pelo nosso irmão que é limitado em algum aspecto é saber que suas ações nem sempre são de sua inteira responsabilidade, há sempre algo que ultrapassa nosso entendimento. Querer forçar a modificação uma personalidade seria agir de forma desumana pelo fato de estarmos diante de uma série de estruturas que envolvem tal ação.
Mas quando vamos saber que o outro erra porque quer ou quando ele foi vítima da complexidade de sua existência? Nunca. E nem precisamos sabê-lo, porque não cabe a nós entender uma realidade que é produto de um amor Divino, e que, por si mesmo, é mistério. Diante do homem, portanto, o melhor que podemos fazer é calar. É deixar que Aquele que o criou, tome conta de sua obra e a reorganize quando necessário.

Que Maria, a mulher do silêncio, nos ajude a construir uma postura menos crítica e arbitrária em relação ao homem. Ela, diante da cruz, poderia se revoltar pela injustiça que estava sendo cometida contra o seu filho, o Enviado de Deus. Entretanto, ela manteve-se em silêncio, perante o Cristo que também não condenava os seus algozes.

Assim como Maria, que também nós possamos nos curvar diante do mistério do outro, que reflete a presença de Deus em suas múltiplas manifestações. Diante do homem, temos também que assumir a nossa condição de criaturas, que sofrem as mesmas adversidades e limitações, até os mesmos erros se tivéssemos em seu lugar.

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