domingo, 6 de dezembro de 2009

Uma voz no deserto

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Quando muitas pessoas vêem a Igreja se pronunciar sobre temas muito polêmicos de nossa realidade, como aborto, manipulação de células-tronco, eutanásia, clonagem humana ou mesmo sobre o casamento homossexual, sexo fora do casamento e na degradação da pessoa humana pelos vícios, crimes e demais conflitos sociais, ficam, muitas vezes revoltadas e criticam tal postura. Para muitos, a Igreja deve estar somente do “lado espiritual” e não deve interferir no progresso econômico, político ou social do homem.

A “retrógrada”, “tradicional” e “intolerante” Igreja Católica não quer outra coisa a não ser a defesa da vida do homem de forma integral e natural. Tudo o que vai de encontro a uma evolução natural da pessoa humana deve ser fortemente questionado por todos. Um desenvolvimento, seja ele qual for, se não tem o homem como seu fim último, necessita ser revisto. Nesse sentido, a Igreja, como sinal da presença de Cristo na Terra, quer que todos os homens cheguem a uma felicidade plena. Para isso, ela propõe certos caminhos que tenham a pessoa humana como princípio e fim de toda a ação moral.

Entretanto, quando a Igreja Católica propõe certas vias de ações, ela não pretende fixar valores inquestionáveis para os homens, mas apenas sugere caminhos a serem seguidos. Quando a Igreja se manifesta contra o aborto, manipulação de células-tronco embrionárias, clonagem humana ou em outras questões que dizem respeito à pessoa humana, Ela somente está apontando para o caráter mais amplo que é a vida. O homem não é, e não pode ser considerado, um objeto para manipulação comercial ou mesmo para a prática de outro bem moral. Ele possui uma vida e essa deve ser respeitada em sua integridade. Esse é o grito maior da Igreja.

Quando se adentra em questões sobre casamento homossexual, a adoção de crianças por parte desses, ou mesmo na defesa do sexo dentro do casamento, não se está a criticar os que não seguem esses valores propostos pela Igreja, mas na indicação de uma alternativa de vida, fundada em um modo de viver ordenado, seguindo uma ordem comum proposta pela natureza. A Igreja Católica não está sendo intolerante ao defender o casamento entre homem e mulher e sua função ordinária de gerar uma família por meio do amor mútuo entre os esposos, mas dando nortes para quem quer uma vida que fuja da instrumentalização da pessoa humana e uma busca instintiva por um prazer material.

Tudo o que se defende não foi constituído de forma aleatória. Há sempre valores, princípios vitais e uma ordem a ser proposta. A maior riqueza defendida pela Igreja é exatamente a vida humana desde a sua concepção ao seu fim natural. É nesse sentido que toda a interferência humana que venha a prejudicar o indivíduo é firmemente combatida pela Igreja. O que se propõe é a manutenção de uma ordem natural na vida humana, com sua evolução paulatina e ascendente, livre de qualquer ação que possa diminuir o valor da pessoa ou desviá-la de uma ordem natural de se viver. Não se está contra um progresso social, mas sim numa crítica a um desenvolvimento que desconsidere o homem e o valor de sua vida como centro de toda a ação moral.

Nesse sentido, a Igreja, assim como João Batista, é, nas palavras do evangelista Lucas ao citar o profeta Isaías: “a voz daquele que grita do deserto” (Lc 3, 4). Ela proclama um modo de ser e agir baseado em 2 mil anos de história, experiências, derrotas e vitórias, crises e progressos, que foi sendo constituído, fundado na proposta do seu Mestre, para salvar o homem do pecado e da morte. Ela quer preparar um caminho, endireitar o que está desorganizado, eliminar os empecilhos que impedem o homem de contemplar uma felicidade perfeita.

Que nós saibamos ouvir essa voz norteadora e organizadora da Igreja que lança a proposta de um caminho a ser seguido por seus filhos. Quem segue essa via, mesmo com falhas – porque é humana –, encontra aquele que é o caminho para o Pai, Jesus Cristo. Não nos enganemos, entretanto, em pensar que essa passagem é constituída somente de bons momentos. No entanto, aprendemos com ela a dar um sentido a nossa história que, com altos e baixos, nos eleva a um maior crescimento pessoal e espiritual.

Que possamos nos abrir à voz da Igreja que grita em meio a um mundo tão marcado pela instrumentalização da pessoa humana, negação de seus valores essenciais e degradação das relações sociais. Diante de um vazio de sentido como é parte considerável de nossa realidade, a Igreja está continuamente a apontar para a glória do homem que está posterior – e superior – ao mistério da cruz.

[Artigo Publicado no Jornal "A Folha", da Diocese de Caicó, ANO XXI, Nº 184, 05/11/2009]

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