domingo, 6 de dezembro de 2009

Felizes os pobres


Ao proclamar o Sermão da Montanha, Jesus foi incisivo ao dizer: “Felizes os pobres em espírito, por que deles é o reino dos céus” (Mt 5, 3). Os primeiros a quem Deus promete a felicidade são os pobres, os pobres em Espírito. Somente aquele que está livre para abraçar a Cristo e a tudo o que sua opção implica, é digno de contemplar a glória de Deus.


Entretanto, marcados por uma estrutura social objetivista e pragmática, isto é, centrada na materialidade das coisas e no que elas têm a nos oferecer, muitas vezes nos desvirtuamos do conceito de pobreza e nos limitamos a imaginá-la somente no aspecto material. E nesse sentido, pensamos no fato de que para seguir Jesus, devemos deixar tudo o que temos e o que somos para o seguir, contemplando-O continuamente fora de nossa realidade. O erro está exatamente aqui: compreendemos esse “deixar tudo” como uma negação de tudo o que é humano em função de uma espiritualidade “extra-terrestre”.


Platão, filósofo ateniense do século V a. C., também considerava o mundo como uma dualidade entre matéria e espírito. O homem virtuoso deveria superar a sua materialidade e viver somente segundo o espírito racional. Essa mentalidade, porém, gera um grande problema, pois ao negar o que é humano, material ou terreno, estamos negando também a obra da criação, estamos esquecendo e pondo de lado a Inteligência que criou e organizou toda a nossa realidade, isto é, Deus.


Todavia, Jesus é claro ao dizer que a pobreza que o agrada é a espiritual. Não adianta nada um pobre que se apega ao pouco que tem. Uma pessoa que só tem o que se alimentar, como a viúva de Sarepta (1 Rs 17, 10s), mas não se abre à Providência divina, nem à esperança de que ela pode, com seus esforços, crescer e sair dessa situação, possui um espírito soberbo, fechado à mensagem de Deus por meio de Cristo.


Nosso Senhor quando responder ao rico sobre o meio pelo qual se chegar à felicidade, manda-lhe: “vai, vende o que tens, dá aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me” (Mc 10, 2). Em outro momento, Jesus também nos adverte: “Se alguém vem a mim, mas não se desapega de seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs e até da sua própria vida, não pode ser meu discípulo” (Lc 14, 26).


Na verdade, esse “desapego” dos bens ou das pessoas significa dizer que somente Cristo deve ser o único fim de nossas vidas. Todas as coisas, pessoas ou idéias, se não nos servem de caminho para nossa aproximação com Deus deve ser esquecida. Por outro lado, se seguimos uma mentalidade platônica de negação do que é humano, nos afastamos cada vez mais da possibilidade de construir a nossa santidade que se dá na nossa aproximação com Deus por meio de uma santificação cotidiana, humana e, portanto, material.


A verdadeira pobreza ensinada pelo Senhor é semelhante a da viúva de Sarepta. Ela mesma, não tendo muito com o que sobreviver, soube se confiar na ordem dada por Deus por meio de Elias (cf. 1 Rs 17, 15-16). Ela soube saber que a sua própria vida e a de seu filho não valiam nada se não fossem para o serviço ao Senhor, Deus de Israel. Do mesmo modo, Jesus elogia a outra viúva do templo que deixa tudo que tem – mesmo que sejam duas pequenas moedas – e se confia em Deus (cf. Mc 12, 44). Ambas as mulheres sabiam que suas vidas, valores, parentes ou riquezas, deveriam estar em função de Deus e não de si próprias.


Os pobres anunciados por Jesus têm um espírito de abertura, de entrega incondicional à mensagem Divina. Porém, muitos ricos – seja de espírito ou de matéria –, se apegam com o que tem, mesmo que sejam pequenos pães ou duas moedas. Somente quando há um esvaziamento dos próprios desejos e das próprias vontades é que se cria a abertura indispensável para a aproximação e entrada de Deus em nossas vidas. Ele, com Sua grandeza infinita, só penetra em nós quando não há mais nada com que Ele possa dividir espaço.


Ao anunciar: “Felizes os pobres em espírito” (Mt 5, 3), Nosso Senhor não só proclama, mas promete que o reino dos céus está nas mãos daqueles que se entregam de forma incondicional à Deus e sabem que tudo na vida deve ser relativizado – mas não negado – em relação à nossa busca pela felicidade Suprema, único absoluto em nossa existência.


Aprendamos com Jesus a ter esse coração de pobre. Ele que, mesmo sendo Deus, soube conformar a sua condição humana aos planos divinos de salvação da humanidade, sabendo construir, assim, a sua santidade. Cristo, não negou a sua materialidade para se tornar divino, mas aceitou-a quando abraçou o sofrimento e morte de cruz. No alto do calvário, ele nos dá a maior prova de pobreza, que é a afirmação da vida humana, sendo ela o instrumento imprescindível para a construção de nossa divindade.

[Artigo Publicado no Jornal "A Folha", da Diocese de Caicó, ANO XXI, Nº 180, 07/11/2009]

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